A LIÇÃO QUE A COPA DEIXOU PARA A MASSA DO GALO

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Fui inocente demais ao achar que conseguiria me desligar do Atlético durante a Copa do Mundo. Procurei por bandeiras alvinegras nas arquibancadas da Rússia, me diverti com o repórter que usou a crista do Galo, me arrepiei com a canhota do goleiro russo em um milagre nos pênaltis.

Só não imaginava que seria a festa e as músicas de estádios em jogos do Brasil que me fariam pensar o tempo todo na Massa. Venhamos e convenhamos, a torcida brasileira sempre foi um porre na arquibancada. Nunca trouxe músicas empolgantes e nunca emplacou um movimento como vemos atualmente no dia a dia da seleção em solo russo. É triste dizer isso, mas é uma excelente aula para a reciclagem que a nossa torcida precisa nesse momento.

Costumo dizer que alguns assuntos devem ser tratados internamente, apenas entre atleticanos em uma mesa do bar e talvez esse seja um desses. Aliás, era até muito tempo atrás. Agora é para tocar o dedo na ferida, fazer chacoalhar, acordar. Passou da hora! O assunto leva a diversas ramificações, é extremamente extenso e obrigatoriamente deve ser tratado por tópicos. O primeiro, inevitavelmente, passa pelo coração da arquibancada – As organizadas!

Só um milagre fará música nova pegar no Independência. Qual foi a última que pegou para valer nascendo lá? A de Marrocos, talvez. ‘Eu sei que você treme’ nasceu quando jogamos em solo argentino, pela Recopa. Foi mais fácil pegar pela internet e pelo clima de Copa do Mundo que espalhava algumas versões com o ritmo, além do jogo de volta, contra o Lanus, ter sido no Mineirão. Pela profissão que exerço, assisto aos jogos do Atlético no Horto nos últimos anos da área da imprensa e não consigo identificar mais quantas baterias temos no estádio, o que cada setor canta. São 15 mil pessoas em média nos jogos; subtraindo quem participa ativamente nas músicas, teríamos uns 8 mil torcedores para quatro a cinco, até seis baterias. Não dá!

Giro a câmera em todas as direções e, com exceção da Galoucura, onde há maior participação nas canções, tudo o que se ouve são micro frases soltas com batidas perdidas. Até mesmo o hino, nossa marca registrada em todo o país, vem encolhendo cada vez mais. Desde a reinauguração do Independência em 2012, além de não conseguirmos entender como funciona a divisão de som no estádio, regredimos no uso de um caldeirão em potencial.

Ainda em 2014, registrei vídeos fantásticos de um refrão que começou a pegar, principalmente nos aquecimentos: “Galo, esse jogo temos que vencer. A torcida está em festa, te apoiarei até morrer”. Mudou de ritmo tantas vezes até que a música morreu na indecisão dos batuques. Outras boas versões e letras surgiram nas mídias sociais e não emplacaram ou sequer vi qualquer sussurro nas proximidades do estádio. Estamos totalmente estagnados no momento.

É por isso que já passou da hora de martelar nesse assunto o tempo todo. É muito mimimi para frear um movimento legal como esse, seja no Horto ou no Mineirão. “Ain, não gosto dessa letra, se trocasse eu cantaria. Olha aqui esse ritmo, eu tenho um melhor. Não vou cantar essa, pois eu acho…”. Temos encontrado muito freio e pouco acelerador, principalmente nas redes sociais, espaço onde poderíamos alavancar músicas que trariam nova vida às arquibancadas.

Tentei fazer um concurso de música pelo Camisa Doze, mas as datas caíram em uma fase punk da vida. O projeto está na geladeira, mas ficou nítida a sede do atleticano em ter músicas novas na arquibancada. Me incomoda o excesso de alusão a rivais na maioria delas, mas nesse momento de escassez, tudo é válido.

Se uma torcida que em décadas só conseguia cantar “brasileiro com muito orgulho e amor” alcançou essa revolução em tão pouco tempo, a Massa pode fazer muito mais. Nós sempre fizemos muito mais em relação a qualquer outra desse país. Na Copa, em quatro dias surge uma nova versão daquele hit de ‘La Casa de Papel’. O Messi deu tchau, o Muller deu tchau, o Chaves deu tchau! Já até surgiram versões do Romariô e Fenomenô para Dariô e Reinaldô, o que pode ser um embrião para o futuro. Só não dá para esperar demais, já estamos atrasados.

Lembra dos muitos tópicos citados anteriormente? Dizem que lá na Rússia o Gabriel Jesus não anda bem, o Neymar continua simulando e o Willian vem caindo o rendimento. Porém, o brasileiro só quer saber de cantar. Sem essa de cantar só quando estiver engolindo a Costa Rica. Dá câimbra na mão ter que aplaudir torcida fria, mas os caras estão seguindo à risca a cartilha de um verdadeiro torcedor. Festa no hotel, provocação a rivais, exaltando o passado, citando ídolos. A Copa pode nos ensinar ou nos fazer lembrar mais do que podemos imaginar nesse momento.

Músicas novas traz novos ares, muda o ambiente ao redor do estádio, contagia crianças, dita ritmo em escolas, acorda estádio. Deveria ter música exclusiva até para cada jogador, o efeito da parada é “ducaraio” demais. O clube tentou ajudar em algumas ocasiões com letras em telões, o que também é válido. É essa sincronia que precisamos, entre torcidas organizadas, quem não tem qualquer proximidade com elas, clube, formadores de opinião e time. Ainda sobre o papel do clube, em um ano onde o Atlético acordou de vez para a força que a internet possui, seria um reforço enorme contar com a instituição nessa campanha.

É possível contribuir independente do seu estilo de vida. Não curte frequentar ensaios com bateria de organizada? Procura na net o que aparece de novidade, espalha, aprende a cantar (isso é o mínimo). Dedique-se no estádio, mostre para alguém que não tem acesso a vídeos em computadores, repassa através do Whatsapp e solta a voz no estádio, zé. Sinto falta até daquela fila de carros a caminho do Mineirão com sons no último volume para aprendermos o ‘Atlético, gostamos muito de você’.

Se o assunto é música e mudança, deixo um trecho do Gabriel, o Pensador. Queremos mudanças? Então vamos mudar!

“Muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente
A gente muda o mundo na mudança da mente
E quando a mente muda a gente anda pra frente…”

 

FOTO DE CAPA: PEDRO SOUZA/ATLÉTICO

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