A QUALIDADE É GRANDE, MAS NOSSO MEDO É MAIOR

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FOTO: PEDRO SOUZA/ATLÉTICO

Cresci lendo Roberto Drummond citar a base do Atlético nos textos em que escrevia. Rádios, emissoras de TV e jornais impressos falavam sobre a meninada que apresentava bom futebol nos campinhos precários da capital mineira, fábrica das grandes equipes do estado em décadas passadas. O tempo passou e eu sofri calado. Veio a era da administração profissional, sem o Zé das Camisas falando que viu um menino bom de bola no campinho do bairro, peneiras se tornaram eventos dignos de sociedade secreta, sem data ou horário, dificuldade que empresários de outros estados não encontram nas indicações.

Talvez nem Reinaldo, o baby-craque citado nas crônicas de Drummond, teria espaço nas categorias de formação atualmente por não atender aos requisitos básicos de quem escolhe a molecada. Nesse caso, não se trata de um erro exclusivo do Atlético, tamanho e força fazem os nanicos se tornarem espécie em extinção nos clubes. Com o futebol brasileiro caminhando para a falência, os dirigentes perceberam que é preciso, cada vez mais, recorrer à solução caseira e as idas aos aeroportos para a recepção de craques milionários vai se tornando luxo de poucas torcidas.

De cofre vazio no mercado de transferências, a fórmula para colocar em prática o discurso de austeridade, repetido exaustivamente, parecia simples para o Atlético. Time mais barato, com espaço para a prata da casa, utilização de atletas que já são monitorados há anos, com risco menor de erro, além da possibilidade de venda futura e folha salarial enxuta. Na prática é diferente. Atletas sobem para a equipe profissional em uma transição fantasma, são esquecidos no elenco inchado e lutam por poucas oportunidades na disputa do estadual.

Deixando de lado a “era André Figueiredo” e os poucos nomes que realmente contribuíram no profissional, vamos ao período da gestão do presidente Sérgio Sette Câmara. Na coletiva de apresentação da nova diretoria, Marques anunciava mudanças nas categorias de formação, captação e monitoramento de novos talentos pelo Brasil. Poucas mudanças aconteceram e o calango deixou o cargo para assumir a função de diretor de futebol e, posteriormente, gerente de futebol. Júnior Chávae chegou pregando revolução e mudou praticamente todo o grupo do sub-20, além de diversas mudanças nas demais categorias. A expectativa é alta para os resultados a longo prazo, mas em 2020 já será possível conhecer um pouco do novo trabalho e  teremos novidades, como o time de transição, que podem corrigir a lacuna citada nesta crônica.

Ainda é preciso quebrar hábitos de longa data e os últimos vinte e três meses mostram claramente de quais vícios me refiro. Arouca, Samuel Xavier, Juninho, Martín Rea, Tomás Andrade, Leandrinho, Edinho, Terans e Denilson fizeram parte do pacotão de apresentações da temporada 2018. A lista conta com jogador próximo da aposentadoria, gringo desconhecido, gringo saindo da base de clube argentino, brasileiro que saiu cedo do país e não vingou na Europa, lateral e atacantes e sem destaque no futebol, zagueiro encostado em clube paulista. Em 2019, Papagaio, Vinícius, Maicon, Geuvânio, Hernández e Di Santo mostraram que vale apostar, vale dar chance, desde que não seja Made in Cidade do Galo. Por que eles puderam ser testados? Por que a paciência com eles é maior? Quanto gastamos em atletas que ficaram meses por aqui e pouco contribuíram? Nossos atletas que deixam o sub-20 pedem maturação, mas os nomes citados também não apresentaram deficiência técnica em diversos fundamentos? Qual é a vantagem em insistir no número excessivo de contratações que pouco agregam?

Resta aos meninos da base torcerem por situações atípicas. Com a lesão de Victor, Cleiton ganhou tempo para mostrar que tem qualidade para assumir a camisa 1, Marquinhos e Bruninho contaram com a pressão da torcida quando nos aproximávamos do fundo do poço e deram nova cara ao time. Aliás, Marquinhos é o exemplo ideal para mostrar que, apesar da promessa de planejamento e transição correta na era Chávare, ainda agimos por impulso em um grande improviso. O garoto se destacou nos jogos do estadual e Brasileiro Sub-20, contribuiu com gols e assistências, enquanto Vinícius, Maicon Lesma, Terans e cia. Ltda. se arrastavam em campo no profissional. Com a corda no pescoço, Rodrigo Santana atendeu aos pedidos da arquibancada, colocou o menino em campo, contra o Flamengo, no Maraca, e quatro dias depois já o escalava como titular contra o Grêmio, em Belo Horizonte. O cenário de promoção às pressas, briga contra o rebaixamento, protestos e moral baixa em todo o grupo contribuíam para um péssimo desempenho, mas a qualidade falou mais alto. Apesar da desorganização e troca de treinador, Marquinhos mostrou potencial para brigar por vaga entre os titulares. A guerra ainda não foi vencida, é uma batalha diária e qualquer deslize pode resultar em um passo para trás na disputa contra os “craques” preferidos pelo treinador.

Esquecido no elenco, Alerrandro perdeu espaço para Ricardo Oliveira e Papagaio, apesar de possuir os melhores números entre os centroavantes na temporada. Jogou menos minutos, balançou mais as redes e colaborou com gols mais importantes, mas o peso de um belo discurso fez diferença para que Ricardo Oliveira continuasse como substituto imediato de Franco Di Santo. Se Alerrandro tivesse o desempenho de Ricardo Oliveira em 2019, certamente já estaria emprestado para outras divisões do país.

Agora é a vez de Guilherme Castilho enfrentar o medo do departamento de futebol em utilizar as peças que se destacam nas categorias de base. Atuando como volante no sub-20, Castilho passou pelo ritual de batismo no profissional e começou a ser testado nos treinos, caminho correto para conhecer a proposta de jogo de Mancini e como é possível colaborar com o grupo. Sem Elias, Nathan, Blanco, Martínez e com Jair voltando de lesão, havia a expectativa de o garoto aparecer na lista de relacionados para o duelo contra o Fluminense, no Maracanã. O mesmo Maracanã que marcou a volta de Marquinhos ao profissional. Segundo Mancini, Jair não suportaria os noventa minutos ao lado de Zé Welison, o que dá a certeza ao treinador de que haverá improvisação quando a bola rolar. Zagueiro no meio, atacante recuado, meia preocupado com a marcação, a lista é extensa e poderia ser enxuta com a presença de Castilho no banco de reservas. Na base, foram alguns jogos como primeiro volante, mas, quase sempre, sendo o segundo volante que está sempre pisando na área do adversário. Ideia interessante, mas que não vaia acontecer, pois o menino “bão de bola” ficou em Belo Horizonte.

Não me assustaria se ele pintasse entre os titulares contra o Athl. Paranaense, no Mineirão, diante do baile de improviso e pouco critério que é o Galo 2019. A turma que pouco contribuiu no ano segue firme no aeroporto, Geuvânio, Ricardo Oliveira, Maicon, Terans, Vina e nos surpreendemos até com a presença de um terceiro goleiro entre os relacionados.

As cifras obtidas com as vendas de Bernard e Jemerson deveriam se tornar incentivo para que o Atlético seguisse pelo caminho de valorização da base como forma de não depender apenas de cotas de TV como principal fonte de renda. Cleiton foi a exceção com a lesão do companheiro de posição, Marquinhos e Bruninho contaram com a pressão da arquibancada, agora nos resta planejar uma maneira de fazer o Galo dar as primeiras chances para Guilherme Castilho. A qualidade é grande, mas nosso medo é maior.

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