A síndrome de Dodô na base do Galo

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FOTO: BRUNO CANTINI/ATLÉTICO

O Atlético rescindiu com o meia Dodô, emprestado ao Khor Fakkan, dos Emirados Árabes. Sem atuar pelo Galo há quatro anos, o meia faz parte de uma extensa lista de atletas que levam o atleticano a questionar o motivo de tantas decepções “made in base”. Diversos casos em que houve entrega nas primeiras oportunidades, havia potencial em alguns fundamentos, nomes que passavam a sensação de que era preciso apenas uma pequena lapidação e, inexplicavelmente, não evoluíam mais. Do outro lado da moeda, a situação em que o torcedor percebia que determinado jogador não renderia, mas o clube não conseguia (ou não queria) encerrar o vínculo.

Alex Silva e Lucas Cândido também rescindiram. Finalmente, o Atlético aparenta ter tomado a decisão de colocar um ponto final nos intermináveis contratos e empréstimos de peças que, ano após ano, voltavam e não eram utilizados por nenhum treinador alvinegro. Assim como Ralph, Alex Silva estava emprestado ao Coimbra, clube da região metropolitana que possui outros jogadores que já passaram pela base do Galo, como o goleiro Uilson, campeão olímpico.

O Galo que encantava o Brasil com o time formado em casa ficou na década de 80. Qual o motivo para tantas frustrações há décadas? Captação, evolução, transição para o profissional, chance na equipe principal e comunicação entre os setores fazem parte da fórmula que tinha tudo para dar errado. E deu. Demos aula, como poucos no Brasil, de como não fazer cada um desses tópicos ao formar o atleta profissional.

Quando foi eleito presidente, Sette Câmara pôs fim à era André Figueiredo com a promessa de que o foco seria a formação de talentos em casa. Marques assumiu as categorias de base, mas não conseguiu colocar em prática as boas ideias citadas na coletiva de posse.

Giovanni Augusto despontou em 2011, esteve perto de encerrar a carreiara e ressurgiu em 2015; Carlos colecionava golaços e se destacava pelo posicionamento certeiro. Quem viu Alerrandro se sobressair nas categorias de formação e erguer o punho no Mineirão ao quebrar recorde de gols, se encheu de esperança. Nem sempre o atleta conseguirá manter o nível entregue na base, mas, na Cidade do Galo, o percentual de peças que ficam estagnadas ou regridem sempre foi assustador. Com informações que não chegam ao conhecimento da mídia e da torcida, como sobrepeso, problemas familiares, entre outros empecilhos no desenvolvimento, o clube parecia saber qual era a doença, mas tinha preguiça de buscar a cura.

Entender a realidade em que muitos desses meninos viviam e prepará-los para o “novo mundo” também é papel da instituição. Depoimentos das “minas” e dos “parças” que dividem a rotina com os jovens talentos mostram alguns motivos que justificam a interrupção precoce na carreira.

Assim como Alerrandro, Cleiton também foi negociado com o Red Bull, mas o arqueiro segue cotado para a disputa das Olimpíadas. Caso consiga se firmar no degrau de cima, Cleiton se junta a uma seleta lista de revelações que escaparam da síndrome. Ao escalar a seleção dos melhores jogadores de cada posição revelados nos últimos anos, percebemos nosso desespero ao optarmos por nomes que lutam para se firmarem no futebol profissional. Quando “vinga”, o roteiro de superação é revelado. Bernard chegou a ser dispensado, Jemerson precisou contar com a saída de Otamendi, lesão de Réver e Leo Silva sendo poupado na excursão à China, em 2014. Marcos Rocha colecionou prêmios individuais no América, enquanto o Galo improvisava na posição.

Por que a dificuldade em detectar os garotos que têm potencial para entregar algo a mais? Deixar o destaque da base treinando como quinta opção no elenco principal não é iniciar o processo de transição. Em 2019, Marquinhos se destacava no estadual e Brasileiro Sub-20. Enquanto isso, no time principal, revezamento de atuações pífias que contribuíam para uma queda na tabela e eliminações vexatórias. No apagar das luzes da ‘era Rodrigo Santana’, a chance que precisava para mostrar superioridade em relação aos concorrentes de posição. Titularidade no jogo seguinte, demissão de Santana e novo calvário para voltar à titularidade com Vagner Mancini. A temporada 2020 prometia ser mais tranquila até Dudamel acenar com Edinho na vaga de Marquinhos. Dos poucos que podem oxigenar nossos cofres, o garoto terá que repetir o caminho da superação no próprio quintal.

Com o tempo, percebe-se o que cada um irá entregar. Existe a linha Leandro Almeida e Werley, que renderam algo ao clube, mas sempre foi perceptível em que degrau da escada ficariam. É o que a gente quer produzir? Continuar ganhando trocadinho em empréstimos esporádicos não é algo difícil de se fazer, mas é um conceito minúsculo para o Atlético. Muitos, sequer seguirão a carreira quando deixarem o Sub-20 ou ficarão escondidos em pequenos times de países sem relevância no esporte. A missão de Chávare para por fim à síndrome de Dodô não é fácil. Há um ano na Cidade do Galo, o diretor precisou desconstruir quase tudo para recomeçar o projeto da estaca zero. Tem sido tarefa árdua mudar vícios de profissionais, dirigentes e, em breve, a missão se estenderá a torcedores e jornalistas. Chega de arroz com feijão! Porém, antes do churrasco, acender a churrasqueira não será fácil. O salão de festas até que é legal, tem boa estrutura, mas o carvão estava molhado, os churrasqueiros nem sabiam que carne queriam servir. Tenho a impressão até de que eram vegetarianos trabalhando nessa churrascaria.

Foram dezenas de jogadores que ficaram pelo caminho ou que fizeram o torcedor se perguntar como era possível o “fulano” vestir a camisa do Galo. Tantas perguntas difíceis para uma resposta simples – O TRABALHO ERA RUIM. Que a síndrome de Dodô não afete o diretor.

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