DOIS ANOS DE ENTREVISTAS DE SÉRGIO SETTE CÂMARA

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FOTO: PEDRO SOUZA/ATLÉTICO

Eleito presidente do Atlético no dia 11 de dezembro de 2017, Sérgio Sette Câmara completou dois anos de mandato com poucos motivos para comemorar. Além de não ter conquistado nenhum título, colecionou campanhas ruins e eliminações vexatórias em diferentes campeonatos. Viu o Atlético perder duas finais seguidas para o rival no Mineiro, foi eliminado pela Chapecoense na Copa do Brasil 2018 e pelo Cruzeiro em 2019, ambos na segunda divisão atualmente, amargou a eliminação na fase de grupos da Libertadores 2019 e na primeira fase da Sul-Americana 2018. Chegou perto do título da Sul-Americana 2019, mas parou no modesto Colón, da Argentina e, após um honroso sexto lugar no Brasileiro 2018, brigou para não cair em 2019 e fechou a temporada na décima terceira colocação.

São três diretores de futebol e a dias de anunciar o sexto técnico a trabalhar no clube desde a posse como presidente. Da coletiva de apresentação da nova diretoria às entrevistas dadas em dezembro de 2019, discursos que sempre citam a dívida do Atlético, perfil de contratações, a necessidade de uma base forte e a conturbada relação diária com o torcedor alvinegro. O Deus Me Dibre construiu uma linha do tempo para que possamos comparar as diversas reações do dirigentes em diferentes momentos do clube nos dois anos de gestão.

Sempre que vai aos microfones, o assunto de maior interesse para o atleticano é a construção de um time forte. Nesse caso, a ideia inicial era um grupo mais jovem, principalmente no ataque, com as saídas de Robinho, Fred, Rafael Moura. Apesar das chegadas dos experientes Arouca e Ricardo Oliveira, o anúncio de Erik, Roger Guedes, Erik, Maidana, Tomás Andrade e Emerson mostraram que realmente a ideia era diminuir a média de idade no Galo.

DEZEMBRO DE 2017:Nós vamos tentar readequar a questão financeira do clube de um modo geral. Claro que isso passa também pelo futebol. Mas sem perder qualidade, ao contrário, nós vamos tentar qualificar melhor o grupo. A gente entende que aqui e ali, nós precisamos de mais força, mais juventude e é em cima disso que nós estamos trabalhando. A gente tem trabalhado, a gente tem pensado a respeito de um time muito competitivo para o ano que vem”.

Um ano depois, Sette Câmara voltou a falar sobre a média de idade do time.

DEZEMBRO DE 2018: “Nós vamos passar por um segundo estágio desse planejamento. Qual é o segundo estágio? Agora nós já vamos buscar fortalecer esse time que foi quase que refeito. Era um pleito que todo mundo tinha de rejuvenescimento do nosso elenco, isso foi feito”.

No mesmo período, o presidente citou também a necessidade de mesclar a experiência entre as peças do elenco. Na prática, apenas Réver da lista de contratados acima dos trinta anos. Os demais nomes anunciados, como Guga, Igor Rabello, Jair e Papagaio, mostraram que a balança pesou mais para a juventude.

DEZEMBRO DE 2018: “Nós vamos ter que dar uma qualificada no nosso elenco e trazer também uma experiência. Não tanta, não jogadores com idade mais avançada, mas jogadores ali com vinte e oito, vinte e nove anos. Já mais cascudos, mais tarimbados, prontos, vencedores”.

Para 2020, Sette demonstra o desejo de ver um time mais “cascudo” com o manto alvinegro.

DEZEMBRO DE 2019: “Vamos buscar de quatro a cinco reforços. Sempre pensando o seguinte, a gente vai tentar buscar uns dois nomes de peso. Dois ou três nomes de peso e dois ou três nomes que possam chegar, vestir a camisa, performar e dar retorno”.

Ao abordarmos montagem, planejamento e administração do elenco, é impossível não citar a função de diretor de futebol, exercida nesses dois anos por Alexandre Gallo, Marques e Rui Costa. Antes mesmo da coletiva em que apresentou a diretoria, após a eleição, o presidente deixou claro que o assunto futebol seria respondido pelo diretor contratado e que o mesmo deveria abraçar todo o departamento, incluindo as categorias de base.

OUTUBRO DE 2017: “Este não é um mercado fácil. Eu queria um diretor de futebol que fosse um diretor técnico, que cuide também da base. O Atlético precisa revelar jogadores de base, eu quero isso. Queria uma pessoa com identidade com o Galo, e o Gallo foi capitão do Atlético”. 

Após a demissão de Alexandre Gallo, entre o período de interinidade e efetivação de Marques, Sérgio demonstrou a intenção de seguir por outro caminho no relacionamento com o diretor. O profissional deveria focar no futebol da Cidade do Galo, sem a obrigação de sentar-se na mesa de negociação dos atletas que despertassem o interesse do clube.

DEZEMBRO DE 2018: “Eu estou acabando com essa função de diretor de futebol que ao mesmo tempo que cuida do dia a dia do clube, também tem que ser o negociador. Eu acho que isso aí é uma coisa que foi formada nos clubes de futebol. Tem clubes que tem um organograma totalmente diferente, o Athletico Paranaense, por exemplo, tem que faz exatamente a função que o Marques tem feito aqui, que é estar ali mais no campo e tal”.

Meses após a efetivação, Marques passou a ocupar o cargo de gerente de futebol e Rui Costa foi anunciado como diretor. Alvo de diversos protestos na arquibancada, Rui foi elogiado pelo presidente em entrevista à Rádio Itatiaia após o término do Brasileiro. Curiosamente, o presidente cita a função de participar das negociações, inclusive compra de atletas, apesar de, meses antes, citar tal característica como algo do passado no exercício de diretor de futebol.

DEZEMBRO DE 2019: “Acima de tudo, (Rui Costa está) sendo bastante correto e honesto nas negociações de atletas, de contratos, de venda, de compra. Eu acredito que o Rui tenha exercido muito bem o seu papel”.

Tópico frequente desde a posse do presidente, em 2017, a categoria de base do Atlético é a menina dos olhos para o dirigente. A preocupação de Sette Câmara em voltar a revelar como saída para qualificar o elenco profissional e oxigenar o caixa em futuras vendas aparece em todos os discursos, antes mesmo da eleição. Além do desejo em ver novos talentos surgindo na Cidade do Galo, Sette sempre destacou a necessidade da participação do diretor nesse processo.

DEZEMBRO DE 2017:O Gallo, ele vem já de uma coordenação de categoria de base de seleção Brasileira, tem um conhecimento amplo a respeito de categoria de base e vai fazer uma aproximação maior entre as categorias de base e o profissional. Nós entendemos que o Atlético tem que voltar às origens dele e tem que voltar a revelar jogadores para o time principal. O Atlético sempre foi um grande revelador de jogadores e já há algum tempo não vem revelando tantos assim. Nós tivemos, claro, os Bernard da vida, Jemerson, o próprio Gabriel, mas nós entendemos que isso pode ser mais trabalhado e melhorado”.

Com a venda de Alerrandro para colocar atrasos de salários em dia, o presidente desabafou sobre a necessidade de mais vendas no futuro, além do uso das joias no time principal.

DEZEMBRO DE 2019: “Temos que colocar nossa máquina para produzir mais Alerrandro’s, para que eles tragam retorno técnico e também financeiro, na medida que a gente faça algum tipo de negociação.”

Deixando a Cidade do Galo e partindo para a arquibancada, o clima já não é tão pacífico. A seca de títulos e erros no planejamento do futebol desgastou a relação com o torcedor, mas, antes da onda de protestos nos estádios e na Sede de Lourdes, Sérgio vivia a expectativa de grandes dias no convívio com o atleticano.

OUTUBRO DE 2017: “A torcida do Atlético pode ter certeza que quem vai estar sentado na cadeira de presidente, caso seja eleito, é um atleticano. Já passei por tudo aquilo que um atleticano comum já passou. Juntos vamos ter muito sucesso. Quero que a torcida tenha muita compreensão, eu tenho uma outra filosofia. Implantada essa filosofia, tenho certeza que teremos muitas conquistas”.

Porém, já nas primeiras entrevistas como presidente do Atlético, vieram as primeiras farpas ao falar sobre críticas lidas em mensagem nas redes sociais.

MARÇO DE 2018: “Tem uma turma aí de palpiteiros, de tuiteiros que ficam aí a denegrir a nossa imagem, a ficar falando mal da administração ou do diretor de futebol etc. Eu estou farto deste povo. Esses caras não agregam em nada. O que a torcida do Atlético tem que saber é que esse tipo de gente não ajuda em nada”.

O caldo azedou de vez ao final da primeira temporada. Mais uma vez, o principal alvo é o torcedor internauta.

DEZEMBRO DE 2018: “O que existe é um grupo de haters que tudo que você fala, eles já só metem o pau, mas o torcedor já está ficando esperto e já manjou quem são essas pessoas. Veem que essas pessoas não gostam do Atlético, elas querem aparecer. A turma do contra. Eu simplesmente desprezo esse pessoal aí, pronto, acabou, deixa pra lá”.

Em 2019, denúncia de censura em protestos no Independência e Mineirão. Público zero, camisas com a frase “fora Sette Câmara”, processos por ofensas na web e torcedores citados como lideranças em manifestações e faixas pela cidade. Sérgio e Rui chegaram a receber as torcidas organizadas do Atlético na Sede de Lourdes na tentativa de uma reaproximação com a arquibancada. Não funcionou.

Ao comentar sobre os principais erros da administração, logo se percebe que a autocrítica é um ponto difícil a ser abordado nas entrevistas. Quando assume que falhou em determinadas decisões, Sette faz questão de abordar os pontos em que obteve êxito, quase sempre destacando a preocupação financeira da atual gestão.

DEZEMBRO DE 2018: Eu confesso que a gente esse ano cometeu alguns equívocos, sempre no intuito de acertar, mas aquele que nós acertarmos, na minha opinião, compensaram os erros e vão render muito dinheiro para os nossos cofres”.

DEZEMBRO DE 2019: “Erros em algumas contratações, frutos de avaliações equivocadas. Erros também em relação à utilização de reservas em alguns jogos que comprometeram nosso desempenho no Brasileiro. Algumas questões que fizeram com que a gente não tivesse um ano que todos nós atleticanos esperávamos. Mas quero dizer que, por outro lado, temos trabalhado muito pra tentar refazer a situação financeira do clube, pra que a gente tenha uma saúde financeira melhor no futuro. Todo mundo já viu que se isso não acontecer nos clubes, você não vai brigar por títulos”.

A dificuldade do presidente para assumir erros fica nítida quando o dirigente é questionado pelo baixo retorno dado por determinados atletas contratados. Mesmos nos casos mais claros de falhas em avaliações, como Denilson e David Terans, pouco utilizados pelo clube e com contratos por cinco temporadas, Sette se esquiva e pede paciência para determinar a sentença de que realmente foi um mau investimento.

DEZEMBRO DE 2018: “Tem um jogador que eu ainda aposto muito que é o Terans. Ele é nosso, é um jogador que nós temos 70% desse jogador. Um jogador novo, um jogador de vinte e três anos, uruguaio, que depende também de uma adaptação”.

“Não houve falha (na contratação de Denilson). Você muitas vezes faz aposta e outras não. O que você (Lélio Metralha) está querendo dizer é que todas teriam que dar certo e é uma questão de ter bola de cristal. O jogador (Denilson) tinha uma avaliação positiva, ele tinha feito onze gols, salvo engano, durante essa temporada no Vitória. Era um jogador que estava vindo em uma condição financeira boa, já tinha sido monitorado por clubes europeus, tanto que ele já tinha passado pelo Granada. Então ele tinha ali, algumas situações que levavam a crer que valia a pena o investimento. Esse jogador, a gente faz um contrato mais longo, porque se ele vira, você tem condição de poder negociar esse jogador”.

Porém, ao determinar a nota merecida pelo departamento de futebol em 2019, a resposta surpreende. Sette Câmara dá nota cinco, graças ao péssimo desempenho no Brasileiro, eliminações precoces e perda do estadual.

DEZEMBRO DE 2019: “Cinco (é a nota do ano do Galo). Nós poderíamos ter brigado por coisa melhor neste ano. Em um dado momento do Brasileiro, abrimos mão para focar na Sul-Americana. Pagamos o preço de não conseguir disputar uma vaga para Libertadores. Gostei do desempenho do time nos últimos jogos. Vamos começar a fazer algumas mudanças a partir da semana que vem. Já estamos fazendo o planejamento. Vamos aguardar o término do campeonato para começar a implementar uma série de novidades que são necessárias para que a gente possa ter um ano de 2020 diferente”.

Apesar da surpresa pela nota baixa dada pelo presidente, talvez a nota cinco esteja de bom tamanho se compararmos com a ambição e crítica do próprio dirigente em relação ao último ano da administração de Daniel Nepomuceno. Como atleticano, Sette demonstrou insatisfação com a nona colocação no Brasileiro 2017 (terminou em 13º em 2019), citou a eliminação nas oitavas da Libertadores (eliminado na fase de grupos em 2019), e a eliminação precoce na Copa do Brasil pelo Botafogo nas quartas (eliminado pelo Cruzeiro nas quartas). A declaração que abria o triênio pós-eleição deu a entender que o grupo de 2017 não era vitorioso, apesar do título estadual (Sérgio ainda não conquistou o Mineiro).

DEZEMBRO DE 2017: “Eu estou me cercando dessas pessoas para que a gente possa criar uma condição dentro dessa realidade de readequação financeira e montar um time que definitivamente seja vitorioso e que tenha muito mais sucesso do que esse que encerrou o ano de 2017 na nona colocação do campeonato Brasileiro e que foi eliminado precocemente da Libertadores e da Copa do Brasil, que muita gente apostava muito mais do que realmente acabou acontecendo”.

Resta uma temporada para que Sérgio consiga colocar em prática tudo o que planejou quando a cadeira de presidente era apenas um sonho distante. Diretor mastigando os assuntos relacionados ao futebol, elenco mesclando experiência e juventude com bons valores revelados pelas categorias de base. Equilibrando a saúde financeira da instituição e conquistando as primeiras taças, inevitavelmente o relacionamento com o torcedor tende a ser melhor, deixando os dias de protestos para trás. Para que isso aconteça, é preciso errar menos com o pouco dinheiro em mãos nas idas ao mercado de transferências E o principal, a autocrítica. Saber quando e onde errou, mesmo que tenha acertado em outros pontos. Não há complô de imprensa e torcida, críticas acontecem nessa relação em todos os clubes do país, de forma moderada ou com os excessos das redes sociais, corretamente levados para a justiça nos casos extremos.

Que as entrevistas nos próximos trezentos e sessenta e seis dias de 2020 sejam baseadas nos títulos e acertos, na consolidação do planejamento proposto em outubro de 2017. Que tenhamos muitas alegrias com os êxitos do Clube Atlético Mineiro e não usemos como muleta o fracasso do rival mineiro.

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