ELE ACORDOU O MONSTRO

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FOTO: BRUNO CANTINI/ATLÉTICO

A internet possibilitou que todos os cidadãos desse planeta se tornassem tudólogos. O que é um tudólogo? Basta ter acesso a um dispositivo móvel ou computador com acesso à internet para você se formar em tudologia, o internauta que comenta com convicção sobre política, economia, todas as modalidades esportivas, teoria da evolução ou qualquer outro erro cometido por aqueles que ganham o Prêmio Nobel. A tudologia gerou blogueiros, como eu, para a humanidade, pessoas que têm sempre razão e criticam qualquer situação, mesmo após grandes vitórias, como a do último domingo. Verdadeiros FDP’s, como eu.

Pode ser irritante essa mania de querer reclamar de tudo, o tempo todo, mas é assustador ver como o Atlético (não) administra crises e as potencializa para que tenham alcance dez vezes maior. Um torcedor teve a ideia de ir ao estádio com a camisa personalizada mostrando a insatisfação com a maneira como Sérgio Sette Câmara administra o futebol do Atlético. Ele postaria a foto no Facebook, dez amigos curtiriam a foto, que também rodariam no grupo de zap da família. No jogo seguinte, o manto alvinegro voltaria ao corpo do, ainda indignado, torcedor e a camisa do protesto se tornaria o pano de tirar poeira do apartamento.

Só que alguém apertou um botão no radinho de comunicação dos seguranças da arquibancada e a merda já estava feita. Bate boca, troca de empurrões e todas as câmeras e celulares registrando que alguém estava protestando contra a administração de Sérgio Sette Câmara. A aula de gestão de crise começou contra o Ceará, quando proibiram que a faixa da torcida GDR Alvinegra ficasse de cabeça para baixo na arquibancada. As demais torcidas cumpriam o pacto do grupo Unidos Pelo Galo de não levar bandeiras de mastro, faixas ou qualquer material das agremiações, então seguranças surgiram no setor para retirar o tecido e evitar que o foco total estivesse na GDR e o escudo de cabeça para baixo. O Atlético garante que a ordem não partiu do presidente em nenhuma das duas situações. Lucas Couto, Diretor de Operações de Estádio, diz que foi realizado um procedimento normal, sem qualquer intenção de censura. Seguranças teriam ido até o local, segundo o diretor, para intervirem em uma confusão gerada por dois grupos distintos que discutiam sobre lances da partida.

No segundo mês como presidente, Sette Câmara mostrou que contornar situações adversas e evitar transtornos maiores à instituição não era o forte da atual administração. Após o empate contra o Atlético, do Acre, em 2018, o técnico Oswaldo de Oliveira e o jornalista Leo Gomide estiveram em todas manchetes dos grandes portais do país após intensa discussão nos microfones durante uma pergunta na coletiva de imprensa. Não bastasse o técnico na corda bamba e o fraco futebol apresentado pelo time, Sette e Gallo acharam que cabia mais sarna para se coçar e vetaram o acesso de Gomide na cobertura diária do clube. Erro de planejamento na gestão da crise? Difícil saber, já que as perguntas ácidas incomodavam outros presidentes e treinadores há tempos, em Vespasiano e Lourdes. O fato é que o assunto esteve em rede nacional durante a semana, dando voz ao repórter censurado e confirmando, através do próprio Oswaldo, que os questionamentos de Leo Gomide geravam incômodo no clube. O tempo passou e eu sofri calado. Veio a eliminação na Sul-Americana, a equipe do canal Fox Sports ligou o microfone para o presidente acalmar os ânimos de um torcedor chateado com a temporada e… Gasolina na fogueira!

Não precisa ser o tudólogo especialista em gestão de crise nas grandes empresas para perceber como o Atlético erra ao administrar problemas tão banais no mundo do futebol. Em um dos protestos contra Alexandre Kalil, em 2011, o presidente desceu as escadas da Sede de Lourdes, procurou quem organizava a manifestação e conversou com todos. Olho no olho, perguntava quais eram as dúvidas, se justificava sobre determinadas decisões e assumia erros em outras. Não me contaram, eu vi. Quando começavam a falar alto, Kalil mandava calar a boca, pois era a vez dele ter voz. Abaixamos o tom em respeito à atitude do mandatário e o danado saiu aplaudido daquela situação tão tensa. Como ele conseguia a mágica? Entendendo qual é a essência do Galo, o poder de olhar no olho, entender o povo que está na arquibancada.

Te falta isso, Sette. É nítido seu conhecimento com cláusulas e contratos, mas é necessário aprimorar a capacidade de comunicação com nossa torcida. Se, ainda assim, você optar por encarar nossa bandeira como uma empresa fria e robotizada, contrate uma gestão de crise eficiente. Ninguém conhecia tão bem a Massa como Kalil, e não falo do Alexandre, me refiro ao Elias. Assim como o filho, ele também tinha problema para usar palavras carinhosas, então nos chamava de “monstro”.

Nem sempre a arquibancada terá razão, agiremos com emoção, mas é preciso ter tato para controlar o monstro. Se existe algum bloqueio, podemos tratar esse trauma. Sente aqui no divã, vamos conversar. Não sou psicólogo, mas sou tudólogo eficiente.

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