HORA DE COLOCAR O TARDELLI NA GAVETA

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FOTO: BRUNO CANTINI/ATLÉTICO

O atleticano é muito intenso em tudo que envolve o Galo. O amor e o ódio que emanam da arquibancada são descarregados naqueles que abraçam nosso escudo ou nos que ousam provocar o torcedor alvinegro. Que outra torcida para a cidade no aniversário do clube ou celebra a chegada do novo manto como um réveillon? Acordamos mais cedo para ver o Chico Pinheiro despistar no jornal e mostrar a capinha de celular do Galo e, no Horto, basta o Belmiro passar pela linha lateral para que o estádio comece os aplausos. Nós idolatramos o massagista que olha por onde anda para não pisar no escudo de jeito nenhum. A gente é doido demais, sô.

Agora imagina o que acontece com o atacante que chega aqui em uma das piores fases da história do clube, balança as redes sem parar, beija o escudo e jura amores. Um desses artilheiros seguiu esse roteiro e fez rival tremer por comemorar de costas e mostrar a camisa 9 ao lado do lateral direito que estampava a 2. Química perfeita desde o momento em que gritávamos o nome no Mineirão, enquanto o narrador parecia um motor de fusca batido ao repetir TÁ TÁ TÁ TÁ TÁ TÁ. Estou falando daquele que foi, voltou, levantou taças e se despediu novamente. Nunca esqueceu das postagens nos dias 25 de março e se tinha Galo em campo, o cara mostrava que estava ligado do outro lado do mundo. Foi fogo no tambor de gasolina da torcida insana e intensa, explodiu, incendiou, mas veio o balde de água fria e, na mesma intensidade, o amor passou pela triste mutação e se transformou em ódio. Dom Diego Tardelli Martins foi vestir azul. Nem era o azul que ele fez tremer, mas a decisão comprovou o ditado de que a fronteira entre o amor e o ódio é uma linha tênue e basta um passo em falso para que você esteja do outro lado.

Nosso erro foi ter deixado a empolgação nos fazer esquecer que amamos uma instituição que disputa o futebol, território das cifras. Da arquibancada, camada do esporte onde atuamos, vivemos de contos, lendas e sentimento, mas basta transitar uma camada acima e adentrar nos bastidores, a deep web do futebol, para entendermos como funciona o mecanismo e nos blindarmos sempre que nos depararmos com essa situação. Diego Tardelli é um atleta profissional, com empresário, família, patrocinadores, entre outras ramificações que influenciam nas decisões. Tenho certeza de que o camisa 9 realmente ama o Atlético e que foi verdadeiro em todas as postagens, mas entender que ele não tem a mesma paixão que nós, de raízes na Sede de Lourdes, atleticanos que perdem noites de sono e o apetite se a fase não é das melhores, me fez sofrer menos ao vê-lo com outra camisa. Absorva a lição para as próximas experiências, pois é um filme que se repete há décadas e ainda encaramos com espanto o que deveria ser natural.

O efeito colateral da transferência pôde ser medido nas redes sociais. Vivemos na era da internet, quando tudo se torna velho rápido demais; notícias recém-publicadas já estão desatualizadas e memes se tornam entediantes em minutos, tudo morre rápido, exceto a raiva. Caixa de comentários é solo fértil para ofensa e os caracteres adubam o ódio para que o sentimento negativo se espalhe pela grande rede pronto para atingir qualquer internauta online. Ao visitar as redes sociais de Tardelli, após o acerto com o Grêmio, descobri quinze palavrões novos e aprendi como montar frases com doze palavras, sendo todas xingamentos, sem verbo de ligação e pontuação. Nos comentários mais tranquilos, o tradicional “meu Galo é maior do que você”. Perfeito o clichê para o momento, Massa! Então, simbora comprovar isso nas atitudes de arquibancada e internet. Estamos há quarenta e oito horas da partida que pode nos dar a liderança do Brasileiro e a linha do tempo nesta-quinta-feira foi recheada de “Tardelli’s”, “Judas”, “mercenário” etc.

Hora de pensar no futuro a curto e a longo prazo. No próximo duelo, no returno, continuar a remoer esse conflito é correr o risco de termos objetos lançados no gramado; prato cheio para punições, principalmente se ainda estivermos na ponta de cima da tabela. Se ele deu entrevista prometendo gol contra o Galo, foco no Ricardo Oliveira para que nosso atacante tenha a mesma sede de balançar as redes. Não importa se balançou as redes e optou por provocar ou preferiu não comemorar… Na fila de prioridades do Atlético temos a turbulência nos bastidores do clube, três competições, a ausência de um técnico efetivado e carência por reforços. Como somos o gigante que afirmamos na caixa de comentários, prefiro pensar na construção da Arena MRV e até na idade do Belmiro, calculando que ele está no clube há uns cinquenta anos e consegue dar uns piques sinistros até o outro lado do gramado. Se é para abrir rede social e pesquisar por algum jogador, vá até o perfil do Patric e agradeça pela vibração que contagiou o time no Horto ou incentive o Zé Welison a ser o cão de guarda que procuramos para a zaga. Respirar Galo 25 horas por dia é bom demais para eu desperdiçar meu tempo em outras missões.

Sobre o Dom Diego, sabe o que vai acontecer no futuro? NÓS vamos acabar “pagando língua”! Não é exclusividade da nossa geração e temos casos bem conhecidos até mesmo envolvendo crimes hediondos. Rei Reinaldo deixou o Atlético e manifestou interesse por vestir a camisa do Flamengo ou do time azul que o Tardelli fez tremer. Foi para o outro lado da lagoa e talvez tenha sido hostilizado na capital mineira por uns meses. Em 2019, o Rei faz reforço muscular no braço para conseguir atender os milhares de fotos com atleticanos erguendo o punho. Nosso perdão também é intenso. Continuando a citar os casos mais conhecidos Éder Aleixo pecou, Cerezo até hoje continua errando, Luizinho preferiu tremer um tempo, entre outros. Quem nunca errou na vida que atire a primeira chuteira. Éder levantou taça do lado de lá e semana passada, contra o Flamengo, quase tatuei o nome do bomba ao vê-lo comemorar a vitória arremessando cadeiras no Independência. Todos eles com a mesma história, a péssima decisão de ficar longe da Massa. Décadas depois, inundam os olhos quando ouvem o povo repetindo “vencer, vencer, vencer”.

Claro que a facilidade de termos tantas imagens registrando esses crimes no século vinte e um faz a ferida demorar um pouco mais para se fechar. Guilherme Pança, o artilheiro de 1999, foi odiado por anos e já sinto um clima mais leve por parte da torcida ao vê-lo na Cidade do Galo atualmente. Um dia, Diego Tardelli irá pendurar as chuteiras e, após viajar para ilhas paradisíacas, fará visitas à Arena MRV. Você pode até fazer pirraça nos primeiros minutos, torcer o nariz, mas duvido que resista quando todo o estádio gritar alto ‘TAAARDEEELLIII-GOL-GOL. Vai acontecer, anote aí.

Até que esse dia chegue, confirmando que esse é um grande ídolo da história, deixe o Tardelli na gaveta e vamos nos concentrar na camisa alvinegra em campo. Meu 9 é o Ricardo Oliveira! O placar mostra Atlético contra Grêmio, não vejo nome algum de jogador na tabela. Te vejo no futuro, Tardelli. Te amo, mas te odeio, FDP!

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