O ÓDIO MORTAL DOS CLÁSSICOS

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FOTO: BRUNO CANTINI/ATLÉTICO

Todo discurso de quem vai defender algum erro sem assumi-lo começa com “mas você tem que entender que do outro lado…”. Ninguém assume erro no mundo atual, apenas tentamos justificá-los citando falhas de outras pessoas. O outro partido, o meu vizinho, a outra religião, o erro deles é muito maior, se for no futebol então, é liberdade para minha camisa e cadeira elétrica para o adversário.

Por isso, ao escrever sobre a fala de Rodrigo Santana com torcedores, na Cidade do Galo, não citarei provocações de jogadores ou dirigentes do Cruzeiro, antes ou depois de qualquer clássico. É que a gente sabe como funciona nosso comportamento na caixa de comentários, a mão coça para comparar com o Itair Machado, Mano Menezes e as redes sociais do Thiago Neves. Outro aviso, aqui não é coluna de especialista em comportamento, tampouco psicologia, então entenda que você lê a coluna de um atleticano de arquibancada que visita a área de imprensa.

Ao conversar com torcedores da Galoucura, nas duas primeiras frases, Santana dispara dois “porra” para falar sobre o confronto pela Copa do Brasil e o erro coletivo. Sabe o que é isso? Eu sei. É o cara que quer enturmar com a torcida organizada que está diante dele. Eu sou filho de professora que sempre fiscalizou até concordância ao pedir os dois pães na padaria. Só que eu chegava lá, tinha dois brothers de agasalho da TOG e eu mandava um – “Descola dois pão aí pra nóis, tia. Tô com fome pra carai”.

Sem perceber o celular, ele tem uma conversa típica do dia a dia, sem se preocupar com as palavras, como faz na coletiva de imprensa. Milton Leite falou que Rogério Ceni era chato pra caralho e o William Bonner imitou o Clodovil, pois eles imaginavam que as câmeras estavam desligadas. Se o William Bonner apresentasse o Jornal Nacional com alguém de organizada ao lado, não daria boa noite, diria “colé que é, zé. Vai ficar mudando pro SBT aí, porra?”.

“O sentimento aqui é de ódio mortal” – Rodrigo está no futebol há muitos anos, certamente já prometeu várias vezes para os torcedores da URT que arrancaria a cabeça do Sapo. É correto? Não nos vídeos divulgados envolvendo pessoas públicas, mas acontece na vida real. O problema é que existe a chance de vermos as velhas cenas de violência entre torcedores no domingo e certamente colocarão as palavras de Santana como um dos motivos. Eu já fiz isso com o Perrela, já fiz com o Kleber Gladiador e com o Cris zagueiro, mesmo sabendo que o cara que brigou faria aquilo com ou sem a frase do Perrela.

Passando pano para o Santanão? De maneira alguma. Falei no parágrafo anterior e repito, a figura pública deve se preocupar até com as figurinhas que envia no whatsapp, certo Neymar? Só que, se você não está no mundo de regras da mídia, se está na arquibancada, nos bares, em uma barbearia ou em qualquer outro ambiente que o assunto é o futebol, seja você jornalista, jogador ou torcedor, provavelmente ouvirá que alguém está com ódio mortal do Ricardo Oliveira que perdeu um gol debaixo das traves, do Victor que deixou passar uma bola fácil, ódio mortal do Rodrigo Santana que demorou a mexer no time. Nem por isso o barbeiro deixará o local com a navalha à procura do Victor.

Os torcedores foram até a Cidade do Galo com a sensação de que poderiam influenciar no comportamento da equipe na partida de domingo. Não influencia, mas nos ajuda no tratamento da ansiedade quando estamos em casa e só pensamos na vitória. É como levantar a mão no show quando o vocalista pede pra mandar energia positiva. Você levanta, acha que fez diferença, mas na verdade está com ódio mortal, pois colocaram Anitta no Rock in Rio. Rodrigo pretendia ouvi-los o mais rápido possível e subir para comandar o treino, então falou o que eles querem queriam ouvir. Quando citou comoção no vestiário após o 2 a 0 na Copa do Brasil, parecia o Ricardo Oliveira pregando no domingo à noite. Todos ficaram empolgados com a possibilidade de mudança de comportamento no clássico.

Sinceramente, minha maior preocupação quanto à fala do técnico alvinegro é o grupo querer mostrar esse excesso de vontade para a torcida através de entradas mais duras. Prato cheio para Mano Menezes repetir a fórmula de forçar expulsões no time do Atlético. Alguns são expulsos nas duas equipes, depois se encontram em resenhas nos condomínios fechados para despejar o ódio mortal no cara que esqueceu de comprar o gelo para a Brahma latão. Quem não foi na resenha, se encontra no culto dos atletas da Getsêmani, segunda à noite. Imagina o Patric apertando a mão do Fábio ao dar a paz do Senhor e já mandar um, “mas com muito ódio mortal por dentro”. Evite falar na frente das câmeras o que as pessoas falam no dia a dia, Santana. Para que todos os setores fiquem felizes, é melhor ouvirmos apenas as frases certinhas das entrevistas coletivas. Mas que eu vou xingar demais o Mano Menezes quando ele fizer isso… ahhh, eu vou. É que só é errado quando é do outro lado.

Sinta-se convidado a visitar a Sede da Galoucura, mas ao avistar celulares, fale apenas como seus cabelos ficaram grisalhos, mesmo você sendo tão jovem.

 

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