QUAL É A TUA COR, ATLÉTICO?

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IMAGEM: REPRODUÇÃO DO TWITTER

Meu pai, sargento Fernando, andava meio cismado, de olho no filho que começava a acompanhar futebol após a Copa do Mundo de 1994. Havia o temor de que a criança acompanhasse os amiguinhos e escolhesse o São Paulo, bicho-papão do início da década, como time do coração, ou o Flamengo, que contratou Romário, craque daquela Copa, para o ano do centenário. O ‘véio’ nem cogitava o Atlético como opção, tinha certeza que o filho Rafael estava assustado com os vizinhos alvinegros soltando foguete todo dia, vestindo camisa de jogo no cachorro, colocando o hino para tocar pelas manhãs. Foi aquela energia que ditou o ritmo das batidas do coração e eu já tinha certeza qual era a minha cor. Preto e branco, pai.

Vieram as ameaças e chantagens. “Só te levo para conhecer o Mineirão em jogo dos blues. Se ficar aí, nunca será feliz”, esbravejava o Fernandão. Ele sempre associou felicidade a metais que enferrujam com o tempo, enquanto o menino sempre associou a felicidade daquele clube aos arrepios causados pela torcida. Como sempre ouvi país afora, essa gente é diferente. Não era só o Rafael que pensava assim, desde 1908, os registros jornalísticos sempre deram destaque ao povo atleticano, pois havia algo mágico no ar. Galo? Galo é a Massa! Arquibancada que inspirou poetas, músicos, embalou amores, ficou enraizado nas características de um estado inteiro, inclusive em lutas sociais. Minas Gerais do Atrético Mineiro, com erro de escrita e pronúncia mesmo, para mostrar quem o povo escolhera. O tropeço dos analfabetos nunca foi uma pedra no nosso caminho. O Rafael escolheu o Atrético.

O Galo que recebeu a comunidade árabe, que carregou o nego Ubaldo do Independência à Praça Sete, o Atrético da primeira torcida feminina, liderada por Alice Neves, do punho erguido de um Rei assumindo a briga dos súditos. Ainda hoje, quando vejo esse povo se reunindo nas ruas de Belo Horizonte para celebrar o dia 25 de março, tenho a certeza de que fiz a escolha certa, pois essa energia não enferruja com o tempo.

Por isso, a dor é grande ao ver alguém vestindo preto e branco proferir “olha a sua cor”. “É nego Ubaldo aí!”, teriam respondido os atleticanos da década de 50. Quem estava ao lado, na arquibancada, deveria ter erguido o punho comprando a briga daquele súdito do Rei preto das décadas de 70 e 80. A expressão facial séria de Fábio Coutinho, segurança do Mineirão, não lembrou em nada o sorriso de Dadá Maravilha ou Ronaldinho, pretos donos do Brasil, donos da América.

Fábio Coutinho, alvinegro de coração, sempre cantou com convicção que torce para o time de preto, de favelado, mas que quando joga, o Mineirão fica lotado. Que ele seja abraçado pelos filhos da Alice Neves, que o Clube Atlético Mineiro use a energia dos versos ‘lutar, lutar, lutar’ para entender qual é o papel dele na história de Minas Gerais. Apesar de vivermos em uma época de clube-empresa, arenas, sócios, que esse Galo, forte e vingador, jamais perca as raízes que fizeram o Rafael escolhê-lo. Levanta a crista, afia a espora e erga esse punho. Não se trata de política, falo sobre atleticanismo, energia que só nós podemos definir e sentir. Vai incomodar alguém tomar essa postura? Prefiro que incomode mesmo esses que questionam a cor da pele. Incomodados, não usarão nossa camisa, não estarão conosco na arquibancada.

Nunca foi só bola na casinha, a briga aqui sempre foi muito maior. Amanhã, o Fábio Coutinho não estará mais nas manchetes dos jornais, e é nesse instante que precisamos levantar nossa bandeira, fazer barulho, não só na arquibancada. Use esse alcance mundial, vai para cima deles, Galo! Seu povo fala Atrético. Com orgulho!

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