QUANDO A BANDA PAROU DE TOCAR – DADÁ CONTA COMO FOI O PERÍODO EM QUE VIVEU NO MINEIRINHO

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IMAGEM: REPRODUÇÃO ESPN

Um rei tem sempre que ser recebido por bandas de música. A frase é de Dario José dos Santos que, graças às dezenas de títulos e centenas de gols, acostumou a ser recebido com música por onde passava. Nem mesmo as pernas tortas e roupas coloridas chamam mais a atenção que o sorriso, sempre presente no rosto enquanto é tietado pelas ruas de Belo Horizonte ou na telinha da TV Alterosa, onde representa o Clube Atlético Mineiro no Alterosa Esporte, programa esportivo da emissora. Enquanto cumpria a rotina de caminhar da TV Alterosa até o metrô, rumo ao apartamento onde mora, o ídolo de diversos clubes do Brasil conversou com o Deus Me Dibre sobre o período em que a banda parou de tocar e o sorriso não foi o mesmo.

“O cara que falar que está preparado para sair dos holofotes está mentindo, pois, a gente se ilude com aquela grandeza de ídolo e depois vem o choque.” – desabafou o autor de 499 gols de cabeça na carreira.

Ao pendurar as chuteiras, Dario deixou a concorrência com helicópteros e beija-flores para aterrissar na área de treinador. Ele conta que fez um bom trabalho na Ponte Preta e em clubes menores, mas sem a repercussão imaginada pelo currículo que carregava dos tempos de atleta.

“Eu fiquei muito triste, então fiquei fazendo exibições, eu ia pelo Brasil todo, dava nome aos gols e ganhava cachê, mas não era a mesma coisa. O torcedor não via aquilo como um jogo oficial, um jogo que vale três pontos, era apenas um amistoso e a gente também sentia isso.” – revela Dadá ao narrar os passos que o levaram a morar no Mineirinho, em Belo Horizonte. Carioca de nascença e mineiro de coração, segundo o próprio Dario, o então ex-atacante retornou à capital mineira em situação difícil por não saber usar a força do nome no meio do futebol.

Durante a entrevista, ao relembrar o período conturbado, a face de Dario ganhava um aspecto mais sério, mesmo quando era abordado pelas pessoas para atender aos vários pedidos de foto. O rosto sisudo era vencido por um semblante mais leve sempre que o tricampeão mundial falava sobre os filhos. E foram as filhas, residentes em Campinas, que receberam a missão de guardar os objetos de valor dos tempos de jogador, com exceção das fitas de Frank Sinatra, enquanto o pai corria para defender o “leitinho das crianças”, em Belo Horizonte. Esse amor pelos filhos foi reforçado em 2017, em entrevista ao Yahoo Esportes, quando o paizão citou que falar mal da família, do Galo ou do Frank Sinatra é motivo de porrada.

O silêncio do travesseiro na noite de um ginásio vazio já não trazia a melodia das bandas que recebiam o rei. Porém, Frank Sinatra nunca o abandonou. Todo ídolo tem um ídolo e Sinatra encerrava as noites no Mineirinho em fitas K7. “I faced it all na I stood tal and did it my way”, diziam os versos de Frank Sinatra em “My Way”. Em uma tradução livre, “enfrentei a tudo de pé, firme, e continuei do meu jeito”. Não havia canção melhor para ilustrar a rotina de Dadá. Uma final de campeonato sempre que o sol nascia, de pé, pronto para voar novamente.

“Eu ficava com vergonha de ter passado uma vida de muitas glórias como jogador e, de repente, eu era um simples desempregado. Passei necessidades, o negócio ficou feio, mas eu confiava no meu taco.” – lembra Dario.

Ao ser questionado sobre uma possível ajuda dos astros que conheceu no mundo da bola, o paizão, desviou o olhar para os trilhos do metrô. “´É normal, quando você está por cima, está todo mundo, quando você está por baixo, todo mundo corre” – desabafou o fã de Frank Sinatra.

Com a problemática nas mãos, era preciso lutar, lutar, lutar para reencontrar a solucionática. Para Dadá, o convite de Marcos Russo para participar de programas esportivos na rádio Inconfidência foi o primeiro passo. O segundo veio após uma conversa com Rogério Correia, apresentador do fenômeno televisivo Alterosa Esporte.

“O Toledo me agradeceu, disse que discutia muito com o Neuber no programa e eu cheguei com um tom mais leve, de gozar o adversário, mas também ser gozado. Levei bom humor ao debate.” – conta às gargalhadas.

Com o apartamento que ganhou após propagandas para uma construtora mineira na televisão, foi possível trazer para Belo Horizonte o tesouro do Rei Dario, até então escondido em Campinas. Em cada camisa, uma história, em cada troféu, a descrição de um caminhão de gols.

“Antigamente a gente trocava camisa, então eu tinha camisa do Rivelino, Gerson, Jairzinho, Tostão, Dirceu Lopes, Piazza, Zico, Ademir da Guia, dos maiores craques, guardava com carinho.” – conta, levando novamente à face o semblante sisudo. “Trouxe para Belo Horizonte, mas arrombaram meu apartamento, levaram todas as camisas, inclusive as camisas do Brasil tricampeão mundial. Levaram minha (réplica) Jules Rimet, que é um troféu que não tem valor em dinheiro, dois relógios que ganhei na Copa de 70, enfim, me deixaram pelado.”

Para quem se orgulhava de mostrar aos amigos, como um álbum de figurinhas, toda a trajetória do ídolo nacional que chutou a primeira bola aos 19 anos, um golpe duro. Mas, além de exímio artilheiro, Dario José dos Santos também mostrou-se um grande boxeador durante a vida. Suportou pancadas desde criança, quando viu a mãe atear fogo no próprio corpo, pancadas da polícia na vida bandida da adolescência. Cada ‘não’ recebido nos testes, um golpe, mas o paizão jamais abaixava a guarda. Perdeu um dos filhos gêmeos ainda no parto, deixou a concentração para enterrar o bebê, voltou para o Mineirão e marcou dois gols, um para o filho que havia partido e outro para o Dadazinho, xodó do paizão, atual funcionário do Atlético nas categorias de base. Os gols da vitória que deram ao Galo o título mineiro de 1978, o primeiro do hexa estadual.

O último round parecia perdido quando encerrou a carreira e os holofotes se apagaram, quando não seguiu seguir como treinador, quando foi morar em um ginásio. Usando o sorriso como doping nessa luta, humilhou beija-flores e helicópteros, venceu goleiros e a dor da perda, foi genial em problemáticas. De todas as frases ditas nos 72 anos de vida, certamente a que mais revela o sentimento da legião de fãs é “o Dadá é incansável, é perpétuo, é eterno”. Que a banda esteja sempre afinada para receber o rei Dadá.

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