
Dentre as diversas denúncias apresentadas na reportagem do Fantástico, do dia 26 de maio de 2019, o caso do garoto Estevão William chamou bastante atenção. Conhecido como “Messinho”, o menino que hoje tem 13 anos, teve seus direitos econômicos negociados entre o clube e um empresário – numa prática ilegal que configura crime tanto na Lei Pelé, quanto no ECA, o Estatuto da Criança e Adolescente. Na época, 20% do seu passe foi usado, junto a de outros jogadores, como garantia de um empréstimo de R$2 milhões de reais.
Mas nem mesmo a exposição da irregularidade na matéria do Fantástico foi o suficiente para que a prática não se repetisse. Nossa reportagem teve acesso a um novo contrato envolvendo o atleta, que mostra que no dia 1º de junho de 2019, Itair Machado – então vice-presidente de futebol do Cruzeiro – negociou 15% dos direitos do atleta com a empresa Estrela Sports Ltda. Na tentativa de burlar a legislação, o contrato trata a negociação como “Condomínio de Direitos Econômicos Exclusivos” mas que na prática tem a mesma finalidade. O contrato aponta o Cruzeiro como detentor de 70% dos direitos do atleta, enquanto os outros 15% ficariam com o próprio, representado pelo pai. Você pode conferir as partes do contrato que tratam da divisão da porcentagem do atleta e das assinaturas ao final da matéria.
Outro fato que chama atenção no contrato, é que a empresa citada está em nome de Fernando Ribeiro de Morais – um dos conselheiros do Cruzeiro que foi expulso pelo conselho gestor em abril de 2020 por ter recebido remuneração do clube. Na época, foi divulgado que o mesmo agenciava a carreira do atleta e ajudou no custeamento da manutenção da família. Nossa reportagem entrou em contato com Fernando para entender o contrato e o mesmo disse:
“É um acordo de comissionamento futuro se caso ele vier a se tornar um atleta profissional. É o único documento que poderia ser feito sendo que eu ajudei a família durante quatro anos. Ajudei pagando aluguel, ajudei em todas as maneiras que eles puderam pensar. Só que eu nunca comprei passe de jogador nem nada, eu ajudei e fiz um acordo com o Cruzeiro. Eu não fiz nada de ilegal, eu só queria ter algo documentado com o clube. Eu ajudei a família e acho que todo investimento que você faz gera algum retorno. Diferente daquilo que saiu na televisão (matéria no Fantástico) que alguém comprou percentual do passe dele. Eu banquei a família e esse tipo de negociação, se ele vier a ser um atleta profissional… é um acordo que quem entrou lá pode manter comigo ou não.”
Questionado sobre o acordo seguir vigente, Fernando disse: “Eu tenho esse documento aí que você teve acesso. Mas a diretoria do Cruzeiro já não é mais a mesma, eu vou procurar e contar toda a história. Quem documentou isso foi o próprio jurídico do Cruzeiro. Eu como empresário fiz isso aqui pela família, pelo atleta e pelo clube.”
Nossa reportagem procurou um advogado especialista em direito desportivo, Louis Dolabela Irrthum, que comentou sobre a possível ilegalidade do contrato: “A Lei Pelé veda e diz que são nulos os contratos, cláusulas contratuais e instrumentos de procuração, firmados pelo atleta ou por seu representante legal (por exemplo, pais) que resultem vínculo desportivo, impliquem vinculação ou exigência de receita total ou parcial exclusiva da entidade de prática desportiva, restrinjam a liberdade de trabalho desportivo e versem sobre o gerenciamento de carreira de atleta em formação com idade inferior a 18 anos” e complementa “constitui exigência indispensável para a efetivação de transferência nacional ou internacional a anexação de declaração conjunta firmada pelo atleta e pelo clube cessionário de que nenhum terceiro, pessoa física ou jurídica, detém a propriedade, total ou parcial, dos direitos econômicos do atleta.” Segundo Dolabela, se o empresário ajudou a família “deve buscar meios de ser ressarcido por ela e não obter percentual de direitos em caso de venda do atleta”.
Outro ponto importante da transação ilegal, é que desde 2015 a FIFA proíbe que empresários e empresas sejam donos de porcentagens de direitos econômicos de jogadores. Apenas os clubes e os jogadores podem ter porcentagens dos direitos dos atletas desde então. Diante desse tipo de negociação, o Cruzeiro pode ser punido de diversas formas, como o bloqueio e o repasse de receita ou premiação econômica que tenha direito de receber, proibição de registrar novos atletas por um período superior ao de seis meses e até a suspensão dos efeitos ou cancelamento do Certificado de Clube Formador.
Nossa reportagem tentou contato com o ex-vice de futebol Itair Machado, mas não teve sucesso. Como de praxe, o espaço segue aberto para que o ex-dirigente possa se manifestar e apresentar suas considerações caso queira.
Confira algumas páginas do contrato firmado entre as partes envolvidas no negócio: