FOTO: VINNICIUS SILVA / CRUZEIRO
Como jornalista que sou e apaixonado por futebol e pelo Cruzeiro, me acostumei a assistir todas as semanas aos programas e resenhas esportivas nas plataformas digitais. Alguns mais, outros menos, mas acompanho sempre pra ver a opinião de jornalistas e comentaristas renomados, e que são referências desde à época do curso de jornalismo na faculdade.
Ao longo dos últimos anos assisti e li todos os tipos de críticas e citações corretas (e até aquelas tendenciosas) sobre o que aconteceu ao Cruzeiro Esporte Clube.
O termo “cruzeirar” usado pra se referir a algum desastre administrativo/financeiro no futebol, e que muitas vezes irrita o torcedor cruzeirense tornou-se bastante usual nas resenhas esportivas fora de MG, tanto no rádio, na TV, quanto nas plataformas digitais.
No início, tal citação me causava bastante desconforto e irritação, mas como jornalista sempre tentava ver a causa, o motivo que levou o Cruzeiro a ser tratado e citado como exemplo de má gestão no futebol brasileiro. Em virtude do que aconteceu, a citação acabava sendo justa.
Mas assistindo alguns desses episódios de debates nas últimas semanas, ouvi algumas vezes quando os jornalistas/comentaristas citaram corretamente o que vem ocorrendo com o Corinthians, referindo-se às contratações de jogadores com altos salários, mesmo diante da iminente crise financeira que o clube paulista vem enfrentando.
Nessas circunstancias a situação do Santos Futebol Clube também é sempre lembrada, pois o clube da baixada santista vem, corretamente, jogando com o que tem, sem abusar de contratações que estão fora da realidade financeira do clube.
Ao citar o Cruzeiro, os jornalistas sempre lembram dos títulos brasileiros de 13/14, e da Copa do Brasil 17/18, esses dois últimos já em meio à crise financeira em que o clube estava (e que quase ninguém falava) e que não teria respeitado a um “suposto Fair Play Financeiro”, suposto porque de fato isso ainda não foi implantado no futebol brasileiro.
Citar a situação e o que aconteceu ao Cruzeiro e que pode acontecer com outros clubes é o dever de qualquer jornalista. Mas quando de modo matreiro diz que “os troféus que o Cruzeiro ganhou com elenco milionário, todo endividado, estão lá guardadinhos e nada aconteceu ao clube”, aí coloca-se em dúvida a autenticidade dos títulos conquistados dentro de campo, e que não teve nenhuma ilegalidade do ponto de vista desportivo e moral.
A insistência deles em lembrar os títulos do Cruzeiro na última década e dizer que foram conquistas com doping financeiro, com elencos milionários e atolados em dívidas são “meias verdades” que me causaram incomodo e precisam ser contestadas.
Quero deixar claro que não concordo com essa conversa de que tal jornalista, tal comentarista, fulano e beltrano do eixo RJ e SP perseguem o Cruzeiro, falam mal e tentam diminuir o tamanho do Cruzeiro porque não gostam do clube, por esse ou aquele motivo, boatos que sempre aparecem nas redes sociais. Não curto e não compartilho de nada disso. Por qual motivo eles seriam contra justamente o Cruzeiro? Conversa sem sentido.
Voltando ao assunto. Questiono e discordo de colocarem em dúvida os títulos do Cruzeiro porque tais cobranças e críticas contundentes nunca aconteceram lá atrás, quando outros clubes também conquistaram títulos em situações financeiras parecidas, principalmente Flamengo e Corinthians, senão vejamos a seguir.
Em 2009, ano que o Flamengo conquistou com todos os méritos o título do Campeonato Brasileiro, o clube enfrentava uma intensa crise financeira. Em seu Blog no UOL, no dia 05 de fevereiro de 2009, precisamente às 17h35, Juca Kfouri publicou o título “E o Flamengo quebrou”, seguido de um texto de Augusto Cesar Sansão, 2º secretário do Conselho Fiscal do Clube de Regatas do Flamengo, em que expunha a crise financeira do clube carioca, citando penhora do Centro de Treinamento, dívidas de milhões de reais com IPTU, e deficit só daquele ano de R$ 75 milhões.
Na Folha de São Paulo do dia 19 de março de 2009, o competentíssimo repórter Rodrigo Mattos publicou uma coluna com o título “Flamengo caça R$ 95 milhões em 2009”, seguido de um subtitulo: Com quase todas as receitas comprometidas, clube dispõe só de R$ 20 milhões livres no ano para pagar elenco milionário.
Nesse mesmo ano (2009) e já durante o Campeonato Brasileiro em que o clube carioca se sagraria campeão, os atletas chegaram a ter quatro (04) meses de salários atrasados. O fato não era segredo e foi noticiado por diversos veículos de imprensa na época. A crise financeira era tanta que até a parceria que o clube tinha de patrocínio há anos com a Petrobras foi encerrada no início de abril de 2009.
Em 2013, quando conquistou a Copa do Brasil, eliminando inclusive o Cruzeiro em uma das fases anteriores, o Flamengo também amargava grave crise financeira, com bloqueio de receitas pela justiça e atrasos salariais dos jogadores. O Flamengo chegou a ser incluído no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (Cadin) por irregularidades no registro dos valores de negociações internacionais. A folha salarial do clube nessa época girava em torno de R$ 9 milhões.
Foi a gestão de Eduardo Bandeira de Mello, que iniciou em 2013 e terminou em 2018, a responsável por sanear e tornar o Flamengo a potência financeira e futebolística que é hoje.
Mas você torcedor, cruzeirense ou não, já viu alguém questionar a autenticidade dos títulos Brasileiro (2009) e Copa do Brasil (2014) que o Flamengo conquistou por conta da situação financeira em que o clube se encontrava? Já viu esses títulos ser colocados em dúvida por conta dos elencos milionários e com salários atrasados?
Lembram do Corinthians Campeão Brasileiro de 2015? durante aquele ano o clube chegou a ter quatro (04) meses de atrasos nos direitos de imagem dos jogadores. Salários atrasados também foram uma realidade daquele elenco que tinha jogadores como Ralf, Danilo, Elias, Renato Augusto e Vagner Love (elenco milionário). O clube paulista tinha dívidas de cerca de R$ 100 milhões, sem contar os gastos da construção da “bilionária” Arena em Itaquera.
Em 2017, outro título brasileiro do Corinthians. Somente nos seis primeiros meses de 2017, a equipe paulista já havia registrado deficit de R$ 35 milhões em seu orçamento, de acordo com o Blog Meu Timão. O blog também noticiou que a dívida do clube referente ao pagamento da Arena de Itaquera era de R$ 1,7 bilhão.
E se os malucos inconsequentes Itair Machado e Wagner Pires de Sá projetavam arrecadação milionária no Cruzeiro em 2019 com títulos que poderiam vir e não vieram, no Corinthians de 2017 os dirigentes projetavam vendas milionárias de atletas, que também não aconteceram conforme esperavam.
Ou seja, administrações desastrosas, sem planejamento e inconsequentes do ponto de vista financeiro não foi uma exclusividade do Cruzeiro. É lógico que podemos dizer que Itair e Wagner Pires estabeleceram um novo patamar nesse quesito, que começou lá atrás com Gilvan de Pinho Tavares e Zezé Perrela.
Voltando ao Corinthians, os títulos brasileiros de 2015 e 2017 foram colocados em cheque? Já viu algum jornalista dizer que os troféus estão lá guardados e não aconteceu nada com o clube? Já houve algum questionamento acerca do fair play financeiro sobre o clube paulista nessa época?
Lógico que não né. Os títulos que Corinthians, Flamengo e Cruzeiro conquistaram dentro de campo são legítimos, autênticos e jamais devem ser questionados, seja qual for a realidade financeira enfrentada por qualquer desses clubes. Dentro de campo estavam as camisas, os escudos, e nas arquibancadas, os torcedores, testemunhas fieis e incontestáveis da história sendo contada através da bola.
Ao menos que no futuro o futebol brasileiro aprove um fair play financeiro tal qual a La Liga na Espanha ou a Premier League na Inglaterra, então poderemos questionar, evitando assim, que clubes utilizem do doping financeiro para se sobressair, tirando vantagem indevidas em competições nacionais e sul-americanas.
O incômodo de um jornalista anonimo e sem nenhuma relevância na imprensa esportiva é apenas um incômodo. O máximo que esse meu ponto de vista pode chegar é de ser ignorado (risos). E isso não tem nenhum problema, desde que eu esteja relatando um sentimento do torcedor cruzeirense, que sofreu muito nos últimos anos, e não aceita em nenhuma hipótese, ver os títulos e momentos de glórias do clube e do seu torcedor ser colocados em dúvida ou em cheque, por irresponsabilidades de dirigentes que já não fazem parte do clube e que o tempo se encarregará de os colocar no esquecimento.
Fora de campo o Cruzeiro tem uma nova gestão, que está fazendo o que é correto do ponto de vista administrativo-financeiro. Dentro de campo o clube está se reerguendo sem pular nenhuma etapa. São três anos de sofrimento na Série B, mas está saindo de lá dignamente, cumprindo o papel que se espera de um gigante como o Cruzeiro.
Sim, o Cruzeiro Esporte Clube é o autêntico Bi-Campeão brasileiro de 2013/2014; e o autêntico Bi-Campeão da Copa do Brasil de 2017/2018. A grandeza de um clube é medida por suas glórias e conquistas.
Quando começou a história do “cruzeirar” tínhamos que ter levantado a voz pra questionar de maneira digna, mostrando nossa história e os verdadeiros culpados. Ameaçar jornalistas e tentar censurar a informação nunca foi o caminho. Mas cortar certos males pela raiz da maneira correta, com diálogo e questionamentos embasados pode ser a saída, para evitar que se manche um passado de glórias e vitórias de um dos maiores clubes do futebol brasileiro.
Não podemos nunca esquecer do que aconteceu com o Cruzeiro. Foi o primeiro grande clube do futebol brasileiro que quase foi à falência, e consequentemente, ao fechamento. Foi por pouco. Mas a história e os títulos conquistados dentro de campo jamais poderão ser apagados.
Que o jornalismo, a verdade, a história e o respeito prevaleçam.
Avante Cruzeiro Esporte Clube!
O autor deste texto, enviado através do FALA TORCEDOR do DMD, é Sidney Junior (Jornalista e Cruzeirense)
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