DE TANTO NEVAR, ESFRIOU.

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Bruno Haddad/Cruzeiro

Em janeiro de 2017 Thiago Neves foi anunciado após uma novela e quase cancelamento do negócio com o jogador a caminho da apresentação (sim, isso aconteceu). Em campo, o começo foi oscilante. Após 4 anos nos Emirados Árabes, jogando em média 28 partidas por ano, o aspecto físico nitidamente pesava. Chegou ao ponto de ser vaiado na derrota em casa contra a Chapecoense na 4ª rodada do Brasileiro. A partir daí, o jogo virou. Thiago foi se tornando o principal jogador do Cruzeiro, tirando a pressão dos ombros do Arrascaeta e aparecendo em diversos momentos importantes. Com personalidade para crescer em jogos grandes, liderou a equipe rumo ao penta da Copa do Brasil e foi bola de prata do Brasileiro.

Foi o dono do time em 2017. Em 57 jogos, marcou 17 gols e deu 14 assistências. No Brasileiro, esteve diretamente envolvido em 18 dos 47 gols marcados (38,2%). A expectativa era de um 2018 ainda melhor, mas não foi bem assim. Apesar do número de gols (14), deu apenas 2 assistências e marcou só 3 vezes no Brasileiro. Além disso, passou em branco em 40 dos 53 jogos que atuou. Porém, sua fama de decisivo seguia, pois foi importante na final do Mineiro marcando o gol do título, nos jogos da Libertadores contra Universidad do Chile, Vasco e Racing numa remontada após um começo oscilante na fase de grupos e, principalmente, nas decisões contra Palmeiras e Corinthians pela Copa do Brasil.

Apesar de tudo, era nítido que apresentava uma queda técnica e principalmente física, não conseguindo performar em alto nível de forma regular. No fim de 2018, sugeri num texto do Deus me Dibre a importância de se buscar uma sombra para competir pela posição (clique aqui e veja). Com a saída de Arrascaeta, o antes “camisa 30” virou camisa 10, Rodriguinho foi contratado e encaixou no time rapidamente trazendo dinâmica, regularidade e gols — enquanto Thiago Neves iniciou a temporada com um problema crônico na panturrilha, tendo que parar por duas vezes entre janeiro e março. Haviam debates sobre a possibilidade de utilizar os dois na equipe titular, opção que logo foi descartada pela falta de compatibilidade e também pela lesão do Rodriguinho na lombar. De lá pra cá, foi ladeira abaixo.

Thiago ficou exposto em 2019 mais por polêmicas do que bom futebol. Quando finalmente ficou livre das lesões, dedicou gol ao então vice-presidente do clube, Itair Machado (exposto em matéria no fantástico sobre uma série de irregularidades dentro do clube, algo que gera investigação do Ministério Público e da Polícia Civil) no jogo contra o São Paulo. Naquele momento de revolta e indignação, sua atitude ainda dividiu opiniões, mas muitos torcedores entenderam aquilo como traição. Na realidade, era apenas fechamento com um sujeito que esbanjou dinheiro de forma irresponsável para jogadores (como Thiago Neves) sem se preocupar com as consequências. Em seguida, piada de mau gosto para provocar o rival envolvendo a tragédia de Brumadinho. Mais desgaste. Não satisfeito, também foi pivô das trocas de treinadores na temporada.

Após vitória contra o Santos na estreia do técnico Rogério Ceni onde foi um dos melhores em campo, Thiago elogiou o estilo mais ofensivo da equipe buscando ficar com a bola e ressaltou que fazia tempo que não jogavam daquela maneira e que era assim que gostavam de jogar, em clara alfinetada ao estilo do técnico Mano Menezes, entusiasta de um futebol mais pragmático e defensivo. A lua de mel com o novo técnico durou pouco. Após eliminação pro Internacional na Copa do Brasil, criticou publicamente as decisões tomadas por Rogério em defesa do seu amigo Edílson, ressaltando a importância de escalar os “nego veio”, termo que acabou se popularizando. Ceni detectou no elenco a necessidade de uma renovação e acréscimo de juventude pois notava um déficit físico principalmente dos mais experientes e suas equipes precisam de intensidade. Ao retornar pro vestiário, Itair Machado deu sua última ordem como homem forte do futebol. Ficou do lado dos medalhões e mandou Rogério Ceni embora. Abel Braga, a pedido deles, foi contratado.

O clube do vinho estava formado. Com Robinho, Thiago Neves e Fred no front, até ensaiamos uma reação, mas ficou no quase. O time foi desidratando a cada rodada e as atuações do camisa 10 eram cada vez mais constrangedoras. Todos os lances decisivos que caíram no seu pé foram desperdiçados. Cada vez mais ouvíamos desculpas do atleta, desde saudade da família à dores na panturrilha e joelho e a incapacidade de carregar “10 companheiros” em matéria e m o c i o n a n t e  no Esporte Espetacular. Thiago tentou de tudo e, finalmente, conseguiu. Questionado sobre a declaração do meia que lhe contratou, Abel disse desconhecer que o mesmo atuava com dores e o próprio Dr. Sérgio Campolina veio a público dizer que todos os exames foram feitos e não havia lesão. O hat-trick de atritos com treinadores estava feito.

O empate contra o Avaí com o meia perdendo um gol claro no último minuto e o pênalti perdido na derrota contra o CSA em casa foram a cereja no bolo de um ano desastroso onde Thiago Neves conseguiu, aos poucos, minar toda admiração que havia construído com a grande maioria da torcida do Cruzeiro. Foram tantas polêmicas, desculpas, transferência de culpa e descolamento da realidade que nós cansamos. Com a chegada do Adílson e seu recado de que para ser titular era preciso jogar bola, foi diagnosticado com edema na coxa e agora finalmente não precisará entrar em campo. Caso o pior aconteça, Thiago Neves ficará marcado como o símbolo de um rebaixamento inédito do Cruzeiro. Tinha tudo para ser ídolo, mas com grandes poderes vem grandes responsabilidades e ele demonstrou que idade nem sempre significa sabedoria. Uma relação que de tanto nevar, esfriou. Thiago Neves encerra seu ciclo sem deixar saudades.

#MeDibre

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