
FOTO: GUSTAVO ALEIXO / FLICKR OFICIAL / CRUZEIRO E.C.
Sem conseguir entregar resultado e, principalmente, desempenho, a saída de Enderson Moreira era inevitável. A derrota contra o América-MG em casa já sinalizava um time sem capacidade de reação, criação e padrão de jogo. Suas coletivas descoladas da realidade vendo um jogo possível somente na sua ótica minavam ainda mais a confiança do torcedor. O revés contra o Brasil de Pelotas, um time que havia vencido apenas 5 de 30 jogos no ano e conquistou o primeiro resultado positivo na Série B justamente contra o Cruzeiro já deixava insustentável um trabalho que não se justificativa. O empate contra o CRB, dentro do Mineirão, sofrendo mais um gol de Léo Gamalho – o 4° dele contra a Raposa na temporada – em mais um jogo insosso, foi a pá de cal.
Ney Franco chegou com imensa rejeição e desconfiança. Seus últimos trabalhos não foram bons e, assim como Enderson, possui um histórico de conquista e acesso na Série B com Coritiba (2010) e Goiás (2018). No esmeraldino, assumiu na quinta rodada com a equipe em 18° com apenas um ponto conquistado e em 34 jogos conquistou 18 vitórias, 5 empates e 11 derrotas. Um aproveitamento de 57,8%. Acabou em 4° lugar com 60 pontos, empatado com a Ponte Preta e superando-a no número de vitórias. Decidiu não renovar com o clube após o acesso e retornou em agosto de 2019 para substituir Claudinei Oliveira. Terminou em 10° na Série A e seus números computados pelo Sofascore não são animadores. Um aproveitamento de 44% em 31 jogos, 39 gols marcados e 50 sofridos.
🔎 Desempenho do Ney Franco no Goiás (jogos com cobertura SofaScore):
⚔️ 31 jogos
📊 44% aproveitamento
⚽️ 39 gols pró
🚫 50 gols sofridos
🛠 44 grandes chances de gol
🎯 43% conversão de chances claras
👟 298 finalizações
⚠️ 344 finalizações sofridasBom nome p/ o @Cruzeiro? pic.twitter.com/r5c1TJYOfB
— Sofascore Brazil (@SofascoreBR) September 8, 2020
O contrato até dezembro de 2021 já foi assinado e agora cabe ao treinador vencer toda desconfiança e apresentar resultados. Seus principais desafios para obter o sucesso não conquistado pelo antecessor: Estabelecer critérios técnicos, definir um padrão de jogo com alguma variação e gerenciamento de egos num elenco com lideranças adormecidas.
1) Estabelecer critérios técnicos
Um dos principais problemas de Enderson Moreira a frente do Cruzeiro foi a falta de critério na montagem da equipe. O treinador nunca conseguiu repetir o mesmo time e a opção por jogadores nem sempre em melhor fase técnica gerou bastante discussão. Como exemplos, a insistência com Léo, Henrique e Ariel Cabral. O zagueiro e capitão vem atuando como titular mas não consegue oferecer uma saída de bola satisfatória, sendo o elo mais fraco do time. Tecnicamente, também não vive grande momento e atuou em todas as partidas. Dos 8 jogos disputados, Henrique atuou em 5, sendo os últimos 4 jogos como titular. Com ele em campo, o Cruzeiro não vence desde 31 de outubro de 2019 (0x2 contra o Botafogo). Já são 13 jogos sem vitória (6 empates e 7 derrotas). O argentino, por sua vez, atuou em 6, sendo 5 como titular. A contratação de Giovanni, que vinha em baixa e após 7 jogos foi afastado do elenco também gerou muitas críticas. Matheus Pereira, da base, acabou assumindo a posição após tentativas frustradas com João Lucas e Patrick Brey, também afastados. Na frente, a maior rotatividade – Riquelmo, Stênio (lesionado), Maurício, Régis, Thiago, Roberson, Arthur Caíke, Welinton (afastado), Aírton Moisés e Marcelo Moreno – dificultaram um entrosamento.
2) Definir um padrão de jogo com alguma variação
O Cruzeiro de Enderson Moreira foi uma bagunça em todos os aspectos. O time não defendia bem, faltava combatividade no meio (muito pelas escolhas) e dificuldade de organização nos momentos de transição defensiva, não sendo vazado apenas no duelo contra o Figueirense, mais por incompetência do adversário do que méritos coletivos, pois houveram chances claras. Por fim, ofensivamente não havia articulação, triangulação, jogadas ensaiadas ou movimentação satisfatória que demonstrasse haver assimilação dos jogadores no ataque posicional que o técnico tentou implantar. Como citado acima, as constantes trocas e jogadores chegando ao longo do torneio também dificultaram tal assimilação. Já são mais de 450 minutos sem gol de algum jogador de linha ofensiva que não seja oriundo de bola parada, o que expõe a fragilidade ofensiva. Ney Franco terá a missão de começar do zero um projeto de time, algo que atualmente não existe. Seu Goiás teve o segundo melhor ataque da Série B de 2018 ao lado do Fortaleza com 54 gols. No entanto, a defesa foi a quarta mais vazada com 50 gols sofridos, o que sugere um desequilíbrio nas ações. Em campo, seu time variou entre o 4-2-3-1, 4-1-4-1, 4-3-3 e até mesmo 4-2-4 em jogos onde foi preciso buscar o resultado. Lucão era seu camisa nove e foi o artilheiro da equipe com 16 gols. Michael, hoje no Flamengo, foi vice-artilheiro com 7 marcados e deu 8 assistências.
3) Gerenciamento de egos num elenco com lideranças adormecidas
Ainda que o aspecto tático seja fundamental, essa talvez seja a missão mais complexa para o treinador. Desde o ano passado o clube convive com algumas lideranças com muito tempo de casa que não se mostram – ao menos visto de fora – a vibração e a indignação necessárias para encarar o momento vivido pelo clube. Fábio, Léo, Henrique, Ariel e Moreno precisam chamar mais a responsabilidade. Inclusive, o zagueiro e os volantes, especialmente, deveriam estar no banco, pois não cabe mais serem escalados por história e sim argumentos técnicos. Ney Franco precisará entender que o time carece de mudanças anímicas e também de peças para que obtenha o sucesso que ainda não foi atingido e volte a vencer. Vamos combinar, é difícil esperar resultados diferentes fazendo as mesmas coisas. Enderson optou por “morrer abraçado” com esses medalhões e acabou demitido. Ainda que o novo treinador não tire todos de uma vez, será preciso mexer no vespeiro.
Ney Franco vem com imensa rejeição da torcida e uma escolha que faz o presidente Sérgio Santos Rodrigues ficar em evidência para o bem ou pro mal. Seus trabalhos em clubes grandes como São Paulo (venceu a Sul-Americana) e Flamengo (segunda passagem) não foram bons e críticas relacionadas a falta de padrão de jogo e variações táticas foram citadas. Na última década, com exceção do título no São Paulo, está devendo. Somente em três clubes que passou (Athlético-PR, Ipatinga e Coritiba) conseguiu o aproveitamento necessário (entre 64,4% e 60%) para atingir o acesso com o Cruzeiro. Restam 30 jogos e 90 pontos em disputa. Com tantos receios e uma sensação da troca ter sido “seis por meia dúzia”, o que resta é torcer para dar certo.