FOTO: BRUNO HADDAD / FLICKR / CRUZEIRO E.C.
Desde que assumiu o clube, no início de junho de 2020, Sérgio Santos Rodrigues não tem conseguido realizar a maioria das ideias que tinha para o seu mandato. A verdade é que a situação do Cruzeiro era (ou ainda é) mais grave do que o imaginado pelo atual presidente.
Não é só a questão política ou financeira. O Cruzeiro, despedaçado, era uma prova de fogo para qualquer pessoa, onde a realidade sempre confrontou o discurso. Não é possível, em pouco tempo, tornar um clube com tamanha dívida e um desmonte tão grande em áreas importantes naquilo que outrora foi: vencedor.
Convivendo com dívidas, bloqueios, punições e processos de cifras altas aparecendo quase todo mês, nem mesmo o salário dos funcionários tem sido honrado. Embora aparenta um grande esforço grande para pagar seus débitos, a realidade é que alguns funcionários da base, por exemplo, chegaram ao quarto mês de atraso salarial. Ainda há pendências referentes a outubro de 2020 e também o 13º salário do ano passado. No futebol profissional, perto de completar 3 meses de atraso, quitou uma folha referente ao valor estipulado na CLT mas deixou em aberto, mais uma vez, os direitos de imagem.
Um dos pontos fracos da atual gestão é o departamento de futebol. Sem qualquer indício de planejamento, seguindo à risca a cartilha do que é o futebol brasileiro, com o conhecido “resultadismo”, ou “imediatismo”, ditando o que deveria ser mudado a cada poucos meses que se passam. Desde a chegada de Sérgio à presidência, são quatro diretores de futebol oficialmente (Ricardo Drubskcy, Deivid, André Mazzuco e Rodrigo Pastana) e cinco treinadores (Enderson Moreira, Ney Franco, Felipão, Felipe Conceição e Mozart) até a chegada de Vanderlei Luxemburgo – a grande mudança de realidade.
Vanderlei Luxemburgo: chance de fazer história de novo
Muito se questionou, nos últimos anos, sobre Vanderlei. Um dos maiores campeões da história do Brasil, não vivia uma grande fase em clubes, com grandes títulos, há algum tempo. Sem conseguir implementar seu trabalho no Palmeiras, mesmo sendo campeão Paulista, começou a ser questionado pela crítica especializada sobre os rumos de sua carreira.
Antes mesmo de dar seu primeiro treinamento com a camisa do Cruzeiro, Luxemburgo deixou claro que só assinaria o contrato (até o final de 2021) se os mandatários celestes tivessem o compromisso de manter a casa minimamente em ordem, ou seja, com salários pagos em dia para jogadores e funcionários. O técnico sabia das limitações: um time sem confiança, que não apresentava qualquer evolução tática ou técnica há alguns anos e que, pra piorar, não poderia contratar jogadores por conta de uma punição de transfer ban imposta pela FIFA.
Uma coisa é certa, ultrapassado ou não, Luxemburgo entende de futebol, entende de gerir um grupo de jogadores. E isso ele vem mostrando na prática, desde que aceitou o difícil desafio de comandar o Cruzeiro em seu pior momento na história.
Luxemburgo assumiu o Cruzeiro na 16ª rodada do Campeonato Brasileiro da Série B. O time brigava contra o rebaixamento. Desde então, foram 14 jogos comandando o time. Um número pequeno, mas que expressa uma real mudança de patamar: antes de Luxemburgo, pegando apenas a Série B como parâmetro, o Cruzeiro tinha um aproveitamento de aproximadamente 29% na competição. Com Vanderlei, esse aproveitamento mais que dobrou, passando dos 59%, com 6 vitórias, 7 empates e apenas 1 derrota.
Mas, para além dos números, há uma mudança de mentalidade. Com Luxemburgo, o Cruzeiro trilhou um caminho certeiro – que não é nada inovador ou surpreendente, pelo contrário, sempre pareceu bem óbvio – de valorizar seus ativos da base, criar uma coesão entre o elenco de jogadores e a comissão técnica e cobrar, de forma clara, os responsáveis pela situação.

Vanderlei Luxemburgo: grupo na mão, confiança e chance para atletas da base (FOTO: Bruno Haddad/Flickr/Cruzeiro)
Vanderlei Luxemburgo é coerente em suas ideias. As discordâncias sempre vão existir, mas o técnico cobra por algo que anda escasso no mundo futebol, principalmente no Cruzeiro: a verdade. Na última terça-feira (5), o técnico gravou um vídeo direcionado aos torcedores e à imprensa abordando diversos assuntos. Entre eles, a forma em como um eventual fracasso deve ser encarado:
“Se acontecer de não (subir), ano que vem temos que fazer um projeto, um planejamento de Cruzeiro de primeira divisão. Eu não abro mão disso. Primeira divisão, jogando a segunda divisão. O projeto tem que ser do Cruzeiro de primeira divisão. Já deixando o Cruzeiro pra quando ele ascender, já é um Cruzeiro de primeira divisão, com a base sendo de primeira divisão. A minha cabeça tá por aí. Nesse sentido, nós vamos trabalhar. E sem mentira, futebol precisa parar dessa coisa de ficar mentindo, enganando.”
O futuro já precisa de correção
O Cruzeiro ainda não definiu, oficialmente, se Vanderlei Luxemburgo fica ou não. Além da crise financeira, o trabalho da direção executiva é questionado internamente por figuras de relevância. A título de exemplo, Pedro Lourenço, empresário (Supermercados BH) e conselheiro, recentemente criticou a forma como o atual presidente Sérgio Santos Rodrigues vem comandando o clube.
Na iminência de permanecer pelo terceiro ano seguido na Série B, Pedrinho, como é conhecido, é o braço forte e a garantia de autonomia para Luxemburgo, do qual sempre foi um grande entusiasta. O planejamento do empresário, assim como o de grande parte da torcida, começa por contar com o técnico para a próxima temporada. Outro nome que também está em pauta é o de Alexandre Mattos, dirigente com passagem vitoriosa pelo clube. Mas, segundo apuração da nossa reportagem, só existem chances reais disso acontecer a partir de 2022.
A provável transformação do Cruzeiro em uma Sociedade Anônima do Futebol, vem sendo a muleta que impede uma ruptura brusca entre apoiadores e oposição no Cruzeiro. É quase consenso nos bastidores das sedes e dos clubes sociais que a transformação para o modelo de “clube-empresa” é a única salvação para a crise financeira. E que uma das grandes vitórias do projeto SAF, se aplicado corretamente, seria afastar das decisões mais relevantes um conselho que sequer foi capaz de punir do clube as pessoas que deixaram o Cruzeiro na situação em que se encontra atualmente – seja por irresponsabilidade, má gestão ou indício de crimes cometidos.
O futuro do Cruzeiro já depende de uma correção: o clube precisa de resolver problemas estruturais. É preciso cumprir com as promessas feitas. Pagar os salários em dia e de forma integral, garantir os direitos trabalhistas, arcar com as dívidas que impedem o clube de caminhar e se reforçar, dar atenção e alocar profissionais realmente capacitados nas categorias de base do clube. E tudo isso com muita transparência e verdade, como prega o técnico Vanderlei Luxemburgo.