A lei do cancelamento e a regressão ao papel A4

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IMAGEM: REPRODUÇÃO YOUTUBE

Enquanto escrevia o primeiro parágrafo desse texto, vez ou outra, voltava na página com a transmissão do lançamento da nova camisa do Atlético para atualizar os números. A cada atualização, dez mil novas visualizações, além de inúmeras interações nas outras redes sociais do clube. Para uma instituição que até 2014 postava foto de papel A4 para anunciar a escalação, é imensurável a enorme evolução no setor de multimídia. Se somarmos a transmissão do jogo-treino contra o América e a ‘live’ deste domingo, já são mais de 1,1 milhão de visualizações em apenas dois vídeos do canal no Youtube.

Em maio de 2019, a TV Galo transmitiu o lançamento da coleção Le Coq e alcançou 145 mil visualizações. Hoje, a ‘live’ encerra o domingo com um número 2,5 vezes maior (371 mil até o fechamento do texto). A comunicação evolui cada vez mais rápido e a pandemia da Covid-19 escreveu uma nova página ao prender ainda mais as pessoas aos canais do Youtube como forma de distração na quarentena. Além dos grandes shows de artistas na plataforma, partidas oficinais começaram a ser transmitidas. As grandes marcas aumentam os investimentos na área e se tem grana, os clubes de futebol não podem agir como o Fábio e dar as costas para o assunto.

Milhares de reais foram arrecadados através do superchat. O torcedor paga, escreve uma mensagem curta, colabora com o Atlético e o Youtube morde uma parte. Com a publicação no vídeo, o “consumidor” fica satisfeito por ser ouvido, a catraca do estádio virtual gira e a conta bancária da Sede de Lourdes recebe uma bolada. Foram diversas contribuições durante as quatro horas do lançamento da coleção.

Presença de jogadores do elenco, ex-atletas, vídeos enviados por torcedores, música ao vivo, modelos na passarela, Galo Doido pirando o “cabeçote” e marcas sendo expostas a todo o tempo. Desde a paralisação do futebol, o Atlético tem buscado meios de ativar as marcas parceiras do clube. Números de TV aberta serão entregues a empresários e, em tempos de crise, clube que dá retorno não fica sem proposta de patrocínio. Marketing e multimídia não é gasto, é investimento para se faturar cem vezes mais para instituição.

Tudo isso poderia ter ido por água abaixo graças à regra do “cancelamento imediato”. Tudo o que surge como novidade, atualmente, passa por uma análise instantânea das redes sociais e o termômetro de um ‘trending topic’ (assuntos mais comentados do Twitter) pode gerar uma falsa reação da torcida. É que o barulho se torna grande com a discussão do favoráveis e contrários a determinadas ideias. O torcedor pode e deve exigir sempre um serviço de qualidade, um material esportivo de primeira, um tratamento perfeito, mas o internauta tem ignorado a invisível linha entre ‘ser ouvido’ e ‘tocar tambor a esmo’. Qual o motivo de estar protestando? Não sei, mas vi muita gente fazendo o mesmo e não quero ficar de fora. O efeito bola de neve arrasta muitos perfis e cria um monstro diário à procura de pautas.

Dias antes da ‘live’ na TV Galo, centenas de reclamações pediam o cancelamento da presença de Gabi Martins, ex-BBB. Vídeos e fotos da cantora com a camisa do Flamengo circulavam pela internet para justificar o abaixo assinado virtual. Fosse em outro clube, o detalhe passaria despercebido, mas o histórico de rivalidade com os cariocas foi um agravante contra a artista. Com grande alcance na internet, eu poderia remar de acordo com a maré e me posicionar contra, mas levei em consideração alguns fatores. Vivi no interior e sei que existe um comportamento comum fora da Avenida do Contorno de torcedores que gostam de dois clubes. Meus tios sempre acompanharam um carioca e um mineiro, assim como acontece em outros estados que foram vítimas, por décadas, de transmissões que só exibiam partidas de times cariocas e paulistas. Fora da nossa bolha de fanáticos e vivência intensa com o Atlético, existe o João e a Odete, atleticanos como nós, que gostaram da moça loirinha cantando no intervalo das entrevistas.

Intensidade é uma palavra comum na vida do atleticano. Nós amamos com intensidade e odiamos na mesma proporção, raramente achamos o meio termo nessa relação. A ‘timeline’ da rede social potencializa esse sentimento e exige o mesmo comportamento de todos que colocam o Galo como time do coração. Torcedor, nem todo mundo tem o Menin tatuado na perna, existem pessoas que conseguem ir para a igreja sem radinho ligado na transmissão de Caldense e Atlético e dizem até que muita gente nunca comprou uma camisa do clube. É necessário entender a realidade das milhões de pessoas que gostam desse escudo para que não sejamos um grupinho fechado que promete ficar um ano sem beber se o Sampaoli ganhar o Brasileiro. No norte de Minas, um atleticano que não sabe o que é Twitter dançou na sala ao som da Gabi Martins, no sul de Minas, uma menina fã de BBB passou a seguir nosso Instagram e se tornou uma potencial torcedora.

Até o ano de 2014, o Galo esteve estagnado no departamento de multimídia. Alexandre Kalil focou no futebol e ignorou até o potencial que um dentuço vestindo a camisa 49 teria para a instituição. Finalmente, criamos coragem para transmitir ao vivo, liberar o superchat e “correr o risco” de ler críticas ou provocações de rivais. Reforços são anunciados em um diálogo com o clube, o presidente, o jogador e o patrocinador, a camisa especial é produzida e eleita pela torcida, os treinamentos são compartilhados em HD. O Flamengo teve que engolir uma atleticana vestindo a camisa deles e não reclamou. Talvez não seja coincidência os expressivos números em mídias sociais obtidos pelo time do Wright. Se você acha que seguidor, engajamento e Facebook não é importante, torço muito para que você não esteja na mesa de negociação quando o Atlético se reunir com potenciais anunciantes.

Gabi Martins, dona de 8 milhões de seguidores no Instagram, 4 milhões no TikTok e 580 mil no Twitter, compartilhou fotos e vídeos na Cidade do Galo. Sabe o que faltou? O botafoguense Luccas Neto compartilhando a Cidade do Galo com milhões de crianças e adolescentes, o gremista Humberto Gessinger alcançando a minha geração e qualquer artista que traga números para o Atlético e contribua para que tenhamos uma grande transmissão. A turma do Tianastácia, Sideral, Djonga, Rogério Flausino e tantos outros já tiveram e terão diversas oportunidades de participarem de ações do Galo. O mundo não acabou por uma ação atípica no final de semana.

Torço muito para que a atleticana Gabi Martins tenha passado por uma semana de sono tranquilo. Os tuiteiros que farão campanha no setembro amarelo nem sempre se importam com palavras pesadas que são disparadas contra outras pessoas. Torço também para que o Atlético veja o copo meio cheio nessa quarentena de muita transmissão e virada de chave nas redes sociais. Chega de papel A4 anunciando a escalação! Eu quero é live com axé, manto novo, ídolos e superchat. Aliás, linda camisa, mas quando fotos vazaram na internet antes da hora, a rejeição foi enorme. Mais uma vertente na lei do cancelamento instantâneo.

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