Bota na conta do pai

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FOTO: PEDRO SOUZA/ATLÉTICO

Esse é um espaço dedicado 101% às notícias e opiniões sobre o dia a dia do Clube Atlético Mineiro. Como o alvinegro não joga no final de semana, optei por matar a saudade do texto opinativo sobre o futebol de uma maneira geral. Em 2019, após uma dessas derrotas inexplicáveis do Galo, gravei o pós-jogo para o Youtube sem ter o que falar sobre a partida, então contei sobre o dia em que um pai de santo me pediu ajuda para receber do clube. Meses depois, quando um caso parecido aconteceu no Cruzeiro, torcedores ficaram bravos por eu ter compartilhado a situação. Curioso como esse é um daqueles temas que não se fala na mesa do jantar enquanto a família está reunida.

O Grupo G7 relatava um serviço contratado em 1999 para conseguir a classificação no Brasileiro, o que acabou acontecendo após a inesperada recuperação do time. Sem receber até o ano 2000, o líder do grupo teria dito aos dirigentes que o Galo ficaria sete anos sem conquista e que a equipe cairia para a segunda divisão. Sete anos depois, quando retornou para a divisão de elite, o Atlético voltou a erguer a taça do estadual. Coincidência? Não sei, mas o depósito continuava pendente.

O que levou o clube a chegar nessa situação de disputar a segunda divisão e ficar tantos anos sem título, vendo até o modesto Ipatinga no topo do pódio? Cada um tem a sua fé, eu acredito em um universo que nossos olhos não enxergam, mas fiquemos apenas na esfera do palpável por aqui. Ao relembrar a forma como os dirigentes da década de 90 conduziram o clube, as decisões tomadas e a administração do departamento de futebol, fica nítido que os anos sem taça e o rebaixamento saíram barato. Em poucos minutos de conversa com funcionários antigos do clube, os relatos de desleixo na rotina da instituição me fazem crer que o calote no pai de santo da década de 90 evidenciam que o amadorismo era maior do que a fé do contratante.

Do outro lado da lagoa, atletas são contratados, passam meses treinando e se despedem com baixa minutagem em campo; outros são afastados, reintegrados, emprestados e devolvidos. Quem é da base, acorda no sub-20, almoça no profissional e vai dormir no sub-17. Chamam quem está emprestado em outro clube, apresentam e encostam. Escolhem treinador sem um motivo específico e vão ao mercado para atender aos pedidos do técnico, enquanto negociam com o próximo comandante. Acaba saindo caro para o pai de santo, que fica com fama de ser uma pessoa ruim. Se o pai de santo saiu caro, o Claudinho também, mas um deles não dá clique.

Voltando à Cidade do Galo, dificilmente encontraremos uma torcida que questiona tanto o sobrenatural como a atleticana faz por décadas. Me incluo nessa. Nos últimos anos, de Micale aos técnicos interinos, de Papagaio a Di Santo, muitas vezes ficamos sem entender o motivo de tudo dar errado para a instituição. “Que clube azarado”! Diversas trocas de treinadores em semanas de decisão, lamentações pelo caixa vazio enquanto Maicon Bolt, Zé Welison, Hernández, Martínez e tantos outros ostentavam volumosos contratos.

O lado bem humorado das torcidas e da rivalidade no futebol sempre dará risadas nas situações em que pessoas ligadas à fé forem chamadas como verdadeiros Bombeiros para apagarem chamas que ninguém sabe como subiram tão rápido. Por trás do delicado assunto, dirigentes que preferem não falar sobre o tema, apesar das constantes convocações dos pais e padres. A fé, um dos pilares do ser humano, passou a ser uma muleta invisível no mundo do futebol. Se a bola não entrar na casinha, assinatura errada da caneta não foi, pode pesquisar, pois algum “despacho” não foi pago. Certa vez, Dom Serafim estava conversando com um conselheiro influente sobre o manto de Nossa Senhora ter sido pintado de preto. Enquanto a dupla dialogava, ao lado, o conselho deliberativo pegava fogo em outra discussão. Em determinado momento, o conselheiro percebeu que Dom Serafim já não prestava atenção nas explicações e cutucou o amigo para entender o olhar distante. “Deus é atleticano”, disse Dom Serafim. Quando o ex-dirigente perguntou o motivo de tal certeza, Serafim apontou para a bagunça no conselho e prosseguiu. “Se não fosse, eu não sei o que seria do Atlético”.

Um dia a gente vai poder falar sobre esses cantinhos do futebol, como a fé e a bola. Poderemos falar até sobre administrações ruins. Eu acho.

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