Detalhes do balanço: o que as demonstrações financeiras do Galo mostram

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IMAGEM: MONTAGEM / DEUS ME DIBRE

O Atlético vive o momento mais turbulento nos bastidores do clube, desde a renúncia do presidente Ziza Valadares, em 2008. Se as últimas eleições no clube aconteceram com ambiente tranquilo e com pouca força de opositores, dessa vez, as urnas prometem um duro embate entre as alas de Sérgio Sette Câmara e Alexandre Kalil. Além de farpas trocadas através de microfones e redes sociais, o principal reflexo da disputa na rotina da instituição tem sido na apreciação do balanço financeiro, marcada para 31 de julho de 2020, no Labareda. A reunião foi marcada por Rafael Menin, vice-presidente do conselho deliberativo. Castellar Guimarães, presidente do Conselho, considerou a reunião “apressada e equivocada” e solicitou ao Conselho Fiscal o parecer sobre o documento, enquanto o Conselho Fiscal garante que apresentará o parecer no dia da reunião.

O polêmico balanço foi publicado no Estado de Minas no último dia do mês de junho. Nas demonstrações contábeis, aumento da dívida e números preocupantes para um clube que prega austeridade há anos. Se a função da publicação é permitir que os conselheiros analisem os dados, a falta de detalhes no balanço gera mais interrogações que exclamações sobre a saúde financeira do Atlético. Nossa reportagem entrou em contato com um contador de uma empresa multinacional, especialista em interpretar números e balanços, com mais de 15 anos de experiência, para entender alguns pontos da demonstração contábil.

Apesar dos poucos resultados em campo, o futebol profissional consome 80% da receita total do clube. O percentual é o limite estipulado nas regras do Profut. Como o Galo conseguiu alcançar a meta? Com o registro da doação do terreno, onde será construída a Arena MRV, feita por Rubens Menin. Não fosse o alto valor registrado pelo local, o gasto com futebol profissional chegaria a 94% e o prejuízo na temporada seria maior que no ano de 2018.

Enquanto vivia o pesadelo no início de 2020 com eliminações, demissão de treinador, diretor e parte do elenco, o clube repetia o filme dos últimos anos com o vencimento de parcelas de empréstimos bancários sem dinheiro em caixa. No primeiro semestre, venceram parcelas com o Banco Inter, nos dias 28 de fevereiro e 17 de março, e com o Banco BMG, em 8 de junho. Até o final da temporada, vencerão outras duas parcelas com o Banco Daycoval, uma com o Mercantil e uma com o Inter. Como pagar? A resposta tem sido simples para o Atlético. Mais empréstimo!

Em relação ao balanço de 2018, acréscimo de dívida em empréstimos e financiamentos com o BMG em R$ 16 milhões, outros R$ 16 milhões com o Daycoval, R$ 14,8 milhões com o Banco Inter (não havia valor registro em 2018) e “apenas” R$ 2,4 milhões de aumento da dívida com o Banco Mercantil. Se a baixa taxa de juros praticada pelas instituições deixam o Galo na zona de conforto, o valor circulante teve um salto de R$ 56.877.284 para R$ 144.747.211. O que isso significa? Muito mais dinheiro (quase R$ 90 milhões) a ser pago em menor tempo. A única saída proposta nos bastidores é a venda do Shopping Diamond Mall.

Com a venda dos 49,9% que restam do shopping, o Galo conseguiria zerar, segundo pessoas ligadas ao clube, as dívidas, com exceção das tributárias, que estariam equilibradas. Porém, no tópico 15 das notas explicativas, a descrição de valores a serem pagos com tributos e contribuições sociais mostra que houve um aumento de R$ 43 milhões. O valor da dívida circulante no tópico tem expressivo aumento de quase R$ 16 milhões. Novamente, mais dinheiro a ser pago em menor prazo. Vale destacar que essa é uma herança maldita nos clubes, passada pelas administrações como bola de neve que cresce consideravelmente e está sempre em último lugar na fila de prioridades para os dirigentes. Causa estranheza o fato de as dívidas tributárias estarem aumentando e as despesas tributárias no resultado estarem caindo.

É provável que a questão tributária sequer seja mencionada na reunião do dia 31 de julho. O principal foco da oposição é no custo com atividades do futebol. São quase R$44 milhões a mais com o futebol e cerca de R$8 milhões de acréscimo com despesas em competições. Opositores no conselho prometem questionar o alto gasto com viagens nos jogos como visitante, o que fica impossível ser respondido sem a análise do Conselho Fiscal. É que o balanço com as finanças da temporada peca pela falta de detalhes ao listar os gastos.

A demonstração contábil cita um custo de R$ 11 milhões referentes a “outros custos com futebol”.  Quase R$ 3,5 milhões a mais em relação a 2018. Valor alto para não ser detalhado. É como uma consulta médica que dá o diagnóstico de virose para o que não pôde ser explicado no paciente. Segundo o presidente Sérgio Sette Câmara, o gasto é condizente com o número de viagens durante todo o ano e é semelhante ao de outros clubes do país.

Essa é uma das várias dores de cabeça do mandatário alvinegro. Sette Câmara tem recebido constantes boletos de administrações anteriores, não só referentes a atletas recém-contratados. Logo nos primeiros meses de mandato, Sérgio procurou resolver o embate judicial com a WRV Empreendimentos, pendência que se arrastava desde o ano 2000. De R$ 70 milhões, o valor caiu para R$ 43 milhões, após o acordo, e, em 2019, outros R$ 13 milhões foram quitados. Campeão da Libertadores, Recopa e estadual pelo Galo, Ronaldinho ainda aparece na lista de credores do clube. Em 2019, houve o abatimento de R$ 3 milhões na dívida com o atleta, restando R$ 5,6 milhões em aberto.

No último item de dívidas a pagar com fornecedores, faltam detalhes novamente para elucidar onde foi gasto um alto valor. O balanço descreve apenas como “fornecedores” e informa que a dívida de R$ 6,8 milhões, em 2018, estaria em R$ 15,2 milhões, em 31 de dezembro de 2019. Não há qualquer explicação posterior com o motivo do aumento expressivo.

Sem a riqueza de detalhes em mãos, os conselheiros teriam uma análise rasa não só da previsão do que precisa ser pago, mas também do que pode entrar nos cofres do Galo. No item “contas a receber”, o balanço mostra mais de R$ 13 milhões como não circulante, entre “indenização contratual” e “outros créditos”, mas novamente há poucos detalhes do que se trata. Em receitas a receber pela transferência de jogadores, o valor de R$ 409.700 permanece estagnado desde o último balanço, o que poderia ser destacado como provisão de perda por falta de expectativa de recebimento.

Na balança de entradas e saídas, em relação a 2018, foram R$ 8 milhões a mais com bilheteria, R$ 21 milhões com transmissão e imagem e R$ 25 milhões com transferência de atletas. No copo meio vazio, R$ 3 milhões a menos com o Galo Na Veia  e R$ 4,5 milhões de queda na receita com patrocínio e marketing.

Ainda em relação a investimentos em transferências, dois personagens podem ilustrar um fator que acontece nos clubes de futebol e refletem no balanço. Ramón Martínez e Lucas Hernández custaram cerca de 5,2 milhões de dólares e, atualmente, treinam na equipe de transição. Seria necessário mensurar a perda com valorização em casos como o da dupla.

Se a missão da publicação das demonstrações contábeis é elucidar qualquer dúvida dos conselheiros para um eventual questionamento, na prática, o documento pouco responde. O método não é exclusividade da atual gestão e vem se repetindo há anos na instituição, inclusive na gestão de Alexandre Kalil, atual opositor de Sérgio Sette Câmara. Com o parecer do Conselho Fiscal, será possível entender o aumento do endividamento de R$ 652 milhões em dezembro de 2018 para R$ 756 milhões no final de 2019. Em carta aberta, o presidente Sérgio Sette Câmara justificou o crescimento nos dois primeiros anos da gestão.

“Gostaríamos de esclarecer que, quando esta diretoria assumiu o Clube, nossa dívida líquida era de R$ 538 milhões, valor este publicado no balanço auditado de 2017. Essa dívida corrigida em 31/12/2019, pelo CDI, atingiria um montante de R$ 630 milhões, ou seja, apenas com o efeito financeiro produzido pela correção monetária, sem considerarmos os juros contratuais”, disse.

Rafael Menin considera a data marcada para a reunião como prazo limite para aprovação do balanço. Sette Câmara acredita que Castellar quer arrastar a apreciação até as eleições da instituição como manobra política. O debate sobre a demonstração contábil terá reflexos na rotina do Atlético com a divulgação do parecer do Conselho Fiscal. Com a divulgação do parecer do Conselho Fiscal, o Deus Me Dibre repercute nos próximos dias o desenrolar da reunião mais aguardada pelo Atlético nos últimos anos.

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