
O Cruzeiro finalizou e apresentou a demonstração das contas referente ao ano de 2019 e o resultado é nada menos que assustador. Com um crescimento de 539% referente ao ano de 2018 – onde o clube já havia apresentado um déficit recorde de R$73 milhões – o balanço de 2019 aponta que o prejuízo ao clube foi superior ao de R$1 milhão por dia. R$394 milhões de reais é o déficit do exercício de 2019 – ano que explodiu a maior crise da história quase centenário do clube e que terminou com o rebaixamento para a segunda divisão do campeonato brasileiro.
Nossa reportagem entrou em contato com contadores e economistas especialistas em interpretar números e balanços para entender alguns pontos da demonstração contábil. O veredito é incontestável: indícios de possível fraude, uso desmedido do dinheiro e o aparelhamento do Cruzeiro que determinam hoje a realidade vivida pela instituição. Não há receita mágica, nem para o sucesso e nem para o fracasso, e os números do Cruzeiro apontam o caminho trilhado para o déficit de quase R$400 milhões.
O aumento absurdo dos custos diretos pode ser visto na página 39 do balanço. Em 2019 o custo com direitos de atividades desportivas profissional mais que triplicou: de R$39,5 milhões para R$134,1 milhões. Esse valor evidencia não só decisões erradas da diretoria responsável pelo futebol, como podem indicar existência de fraudes nos contratos e tentativa de ganho pessoal. Na mesma página é possível identificar o aumento de gastos com pessoal, gerais e administrativos – mostrando que a política de austeridade nunca esteve presente na gestão passada.
Outro dado que chama atenção é o aumento do gasto com “demais fornecedores” na página 27. De R$8 milhões gastos em 2018, o valor saltou pra casa dos R$24 milhões de reais no ano passado. Ao que tudo indica, o problema está diretamente relacionado aos empresários que intermediaram negociações de atletas e também pode indicar, além do prejuízo, fraude e corrupção. Fica o adendo de que faltou uma nota explicativa sobre quais são esses agentes e a forma com a qual esse dinheiro foi ou será repassado.
O número de empréstimos e financiamentos bancários também chamam a atenção, principalmente pelos juros a.a. (ao ano). Taxas de 14%, 18% e até 24,06% ao ano indicam a falta de credibilidade do Cruzeiro perante ao mercado e às instituições. Se em 2018 o valor total de empréstimos já assusta, em 2019 esse valor escancara ainda mais a falta de gestão e planejamento: R$142,2 milhões na soma do que deve ser pago a curto e a longo prazo.
Entre as obrigações imediatas do clube, como o pagamento de salário e demais encargos trabalhistas, fica evidente o uso da estrutura da instituição. A diretoria anterior praticamente dobrou os gastos com salário de um ano para o outro: de R$26,5 milhões em 2018 para R$50,4 milhões em 2019. Chama a atenção também o lançamento de “rescisões contratuais parceladas” no valor de R$8,9 milhões – dentro desse valor pode estar englobado o que foi acordado a pagar para o técnico Mano Menezes, que acionou o clube na justiça recentemente.
Um dos pontos que levanta a questão sobre a continuidade operacional do clube é justamente a partir da exclusão do clube do PROFUT. O balanço mostra como o não-pagamento das parcelas ao programa interferiu diretamente na vida financeira e organizacional. Dívidas de longo prazo e de fácil controle, se transformaram no “calcanhar de aquiles” da raposa. Só para a Receita Federal, a dívida salto da casa dos R$21,1 milhões em 2018 para R$76,9 milhões para 2019, com parte desse valor sendo de “curto prazo”.
As dívidas na FIFA não ficaram de fora e aqui um ponto importante precisa ser analisado: tanto a diretoria que contraiu as dívidas, quanto a passada que não pagou, sequer pensaram em usar de algum instrumento financeiro que protegesse o clube de variação cambial – isso inclusive é constatado no próprio balanço. Com a alta do dólar, as dívidas que são cobradas nessa moeda acompanham e um valor descritas em “clubes estrangeiros” que era de R$58 milhões, hoje está na casa dos R$85milhões. Essas são as dívidas que podem acarretar em sanções desportivas, como a perda de pontos no campeonato nacional, uma delas ocorreu recentemente no caso Denilson/Al-Wahda (clique aqui e confira).
Se comparado com a última gestão de Gilvan de Pinho Tavares (triênio 2015-17) o déficit do Cruzeiro passou de uma média de R$27,43 milhões de reais para R$233,7 milhões em apenas dois anos de mandato de Wagner Pires de sá.
O balanço foi auditado pela Moore, empresa contratada pelo conselho gestor, que apresentou suas conclusões e ainda fez ressalvas sobre as contas apresentadas. Entre os pontos abordados pela auditoria, chama atenção a “incerteza significativa relacionada à continuidade operacional do clube”.
Nas notas explicativas do balanço, também consta a investigação da Polícia Civil e do Ministério Público de Minas Gerais, indicando que o processo se encontra em fase final e a entrega do relatório de investigações realizada pela Kroll, que contém mais de 600 páginas e aponta os demandos e as ilicitudes da gestão de Wagner Pires de Sá.